Valor econômico, v.19 , n. 4766 , 06/06/2019. Brasil, p. A9

 

Governo avalia seguro cambial em rodovias

Daniel Rittner

06/06/2019

 

 

O governo Jair Bolsonaro avalia incluir uma espécie de seguro cambial nas próximas concessões de rodovias federais. A ideia é ter um mecanismo para suavizar o impacto de desvalorizações muito bruscas do real no fluxo de caixa em dólares das futuras concessionárias. Com isso, espera-se diminuir a aversão ao risco de investidores estrangeiros nos leilões de estradas a partir de 2020.

O ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, confirmou ao Valor a intenção de desenhar uma proposta de proteção cambial para discussões com o setor privado. "Está em estudo. Não temos uma definição ainda, mas está em estudo", observou.

Segundo ele, o mecanismo é pensado apenas para as concessões que tenham cobrança de outorga. Nos últimos governos, os leilões têm sido feitos com base em uma tarifa máxima de pedágio, ganhando quem oferece o maior desconto sobre esse valor.

Em parte das próximas licitações, avalia-se uma tarifa fixa e um pagamento mínimo de outorga à União. Venceria a disputa quem se comprometesse com o valor mais alto. Esse critério seria adotado a depender do volume de investimentos da concessionária. Aí entraria o seguro cambial.

No caso de variações muito fortes da moeda, esse mecanismo poderia gerar um abatimento da parcela anual de outorga que é devida ao governo pela operadora privada da rodovia.

Freitas citou o edital da BR-153, entre Anápolis (GO) e Aliança do Tocantins (TO), como o primeiro em que a proteção cambial pode ser usada. A estimativa do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) é leiloar essa rodovia no início de 2020. Os estudos técnicos, incluindo a questão do novo mecanismo, estão sendo tocados pela Empresa de Planejamento e Logística (EPL) e recebendo auxílio do IFC, braço do Banco Mundial.

Também são candidatas a ter o mecanismo em seus novos contratos as relicitações da Nova Dutra (Rio-São Paulo), da Concer (Rio-Juiz de Fora) e da CRT (Rio-Teresópolis). Todas essas estradas têm suas concessões atuais vencendo em 2021, devem ir a leilão no quarto trimestre do ano que vem e com cobrança de outorga.

Grupos estrangeiros especializados na operação de rodovias são vistos como menos demandantes de seguro cambial porque costumam ficar à frente dos projetos por 30 anos ou mais. No longo prazo, as depreciações do real tendem a ser compensadas por períodos de maior valorização da moeda. O "hedge" contratual é tido como produto essencial, porém, para investidores internacionais que realizam lucros a qualquer momento - como os fundos de pensão ou de private equity.

"Realmente ouvimos de muitas empresas estrangeiras que o risco cambial é um inibidor de investimentos no país", diz o presidente da Associação Brasileira das Concessionárias de Rodovias (ABCR), César Borges. Para ele, é bem-vinda a possibilidade de inclusão de um mecanismo para suavizar altas do dólar nas concessões federais. "Agora, se isso vai ser suficiente ou não [para mitigar o risco], teremos que ver no detalhe."

Borges lembra que a associação também tem defendido uma mudança na modelagem dos leilões, com o pagamento de outorga como critério para definir os vitoriosos em cada disputa. O ex-ministro dos Transportes ressalta que, com um tarifa fixa de pedágio estabelecida pelo poder concedente, as operadoras têm mais previsibilidade do fluxo de caixa e evita-se que lances mais ousados prejudiquem a viabilidade do negócio ao longo do contrato.

As rodovias paulistas leiloadas pela Agência de Transporte do Estado de São Paulo (Artesp) incluem, desde 2017, um mecanismo optativo de proteção cambial. As licitações preveem cobrança de outorga fixa e variável.

Em uma das estradas, a taxa variável corresponde a 3% da receita bruta anual da concessionária. Se a operadora tiver optado pelo "hedge" no contrato, ela poderá pagar entre zero (se o real tiver se desvalorizado muito) a 6% (se houver valorização expressiva da moeda brasileira), com percentuais intermediários. Não há flexibilidade na parcela fixa.