Valor econômico, v.20, n.4816, 16/08/2019. Finanças, p. C2

 

Exterior derruba Ibovespa abaixo de 100 mil pontos 

Juliana Machado 

Ana Carolina Neira 

16/08/2019

 

 

O medo de uma recessão global por mais um dia guiou os preços no mercado de ações. Com o forte fluxo vendedor na bolsa de valores, forçado pelo exterior, o Ibovespa foi jogado nos menores patamares desde meados de junho, na faixa dos 99 mil pontos.

Gestores ouvidos pelo Valor dizem que ainda não é hora de abandonar o barco e veem a bolsa local como oportunidade, após quedas tão fortes. Só que isso não vale para todos os ativos. Apesar de ainda terem potencial defensivo contra a maré negativa de fora, as ações brasileiras vão continuar se movimentando de acordo com o exterior, ao menos no curto prazo. Os setores de commodities e o financeiro, por exemplo, continuam negativamente mais expostos.

O Ibovespa até conseguiu uma marginal recuperação no fechamento ontem, mas, mesmo assim, terminou em baixa firme de 1,20%, aos 99.057 pontos - menor nível desde 17 de junho, quando ficou em 97.623 pontos. O giro financeiro também foi relevante e atingiu os R$ 15,12 bilhões, mostrando que os fundos, sobretudo estrangeiros, estão montando e desmontando posições intensamente no curto prazo, num mercado com dificuldades de medir o tamanho do problema na cena internacional.

O ajuste de preço forçado pelo movimento das T-notes, títulos dos Estados Unidos, chegou a deflagrar uma onda de ordens automáticas de vendas ("stop loss") na bolsa, no pico da busca por segurança - quando o Ibovespa foi aos 98.200 pontos. A diferença entre o juro da T-note de 2 anos e de 10 anos continua pequena, com investidores trocando os vencimentos mais curtos por vencimentos mais longos. Essa dinâmica é típica de quando crescem no mercado perspectivas de atividade muito enfraquecida no curto prazo - e a última vez que isso aconteceu foi perto da crise financeira global, em 2007.

"O processo de aversão a risco no exterior continua. A curva de juros americana não para de cair, a moeda chinesa segue caindo e a atividade na Europa ainda dá sinais recorrentes de fraqueza", diz uma fonte de um grande fundo, que prefere não ser identificada. "Além disso, a guerra comercial entre China e EUA está longe do fim. É natural que as moedas emergentes se desvalorizem e que os investidores procurem ativos seguros."

O momento é de tanta cautela que mesmo instrumentos tradicionais de proteção, como a exposição ao dólar, não estão servindo, segundo especialistas. No geral, pioras no exterior levam o dólar a subir e, assim, a bolsa brasileira a ficar mais atrativa ao estrangeiro. No entanto, com as moedas emergentes mais comportadas e com a atuação do Banco Central no Brasil para trazer "tranquilidade" ao câmbio, essa lógica não está funcionando no curtíssimo prazo.

"Quem está 'comprado' em dólar para se proteger de perdas na bolsa não viu o mecanismo funcionar", diz Luiz Portella, sócio-fundador da Novus Capital.

A baixa de ontem colocou o Ibovespa no "piso" da média-móvel recente, o que ainda indica certa oportunidade de compra, afirma Fernando Barroso, diretor da asset da CM Capital Markets. No entanto, dado o nível elevado de aversão, não há consenso de que essa oportunidade de curto prazo exista - ou, ao menos, não para boa parte das ações. Um setor com certa força nesse momento é o de frigoríficos: ontem, a JBS foi uma das poucas ações a subir bem (4,64%), dado o bom posicionamento da empresa na colocação de oferta de proteína animal globalmente.

"Levando em conta a maior incerteza global, alguns ativos apresentam uma oportunidade de compra, mas não creio que seja geral. Não é razoável ignorar tudo o que está acontecendo em outros mercados", diz outro gestor.

Relatório do Goldman Sachs avalia que o Brasil está se tornando um mercado mais defensivo, apesar das turbulências enfrentadas nos mercados emergentes. Isso acontece, diz a análise, graças a elementos como a reforma da Previdência, o que justifica o potencial de valorização visto até aqui - no acumulado de 2019, a alta do Ibovespa ainda é de 12,71% até ontem. Para o fim deste ano, o Goldman projeta o Ibovespa em 106 mil pontos, mas crê em uma valorização adicional aos 114 mil pontos em 12 meses.