Valor econômico, v.20, n.4817, 19/08/2019. Brasil, p. A6

 

Evento em Salvador antecipa discussão da ONU sobre clima 

Daniela Chiaretti 

19/08/2019

 

 

Como estruturar instrumentos de mercado e aumentar as metas para enfrentar a mudança do clima serão temas em foco na "Semana do Clima da América Latina e Caribe", reunião internacional que começa hoje, na Bahia, promovida pelas Nações Unidas, pelo governo federal e pela prefeitura de Salvador.

O evento reunirá 3 mil pessoas entre representantes de países da região e de mecanismos multilaterais de apoio ao desenvolvimento, pesquisadores, indígenas, estudantes e ambientalistas. Sem caráter deliberatório, ele prepara a cúpula climática convocada por António Guterres, secretário-geral da ONU, no mês que vem, em Nova York.

Uma das intenções é aumentar as metas climáticas dos países comprometidas no Acordo de Paris. As metas atuais, voluntárias e conhecidas pela sigla NDC, são insuficientes e levam o planeta a aquecer 30 C em 2100, com consequências graves para a integridade do planeta.

Até agora, contudo, só países de baixa emissão como várias nações africanas e ilhas do Pacífico se comprometeram em rever suas metas e torná-las mais ambiciosas. A Argentina é o único país do G-20 que promete rever o compromissos. México e África do Sul são possibilidades. O Canadá depende do resultado das eleições de outubro disputadas entre liberais e ultraconservadores. A China, o país que mais emite no mundo, é uma incógnita.

A Semana Climática de Salvador ganhou perfil político no Brasil com integrantes céticos ou negacionistas no governo, o desmatamento em alta e o Fundo Amazônia em agonia. O presidente Jair Bolsonaro já revelou seu desdém pela ONU e tem atacado, nas últimas semanas, os maiores doadores socioambientais do país como a Alemanha, a Noruega e a França.

O evento de Salvador ganhou fama em maio, quando o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, anunciou seu cancelamento dizendo que ele só servia para "a turma fazer turismo e comer acarajé". O prefeito de Salvador, ACM Neto (DEM), reagiu dizendo que estaria disposto a organizá-lo mesmo sem apoio do governo federal. Teria sido um precedente inédito na história das reuniões ligadas à convenção do clima da ONU se Salles não tivesse voltado atrás em seguida.

A participação do governo Bolsonaro, que se recusou a sediar a rodada de negociações do clima deste ano - abrindo espaço para o governo chileno, que será o anfitrião da CoP-25, em dezembro -, terá ênfase na agenda urbana e no Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), segundo divulgou o MMA em maio. O PSA é ideia proposta há muitos anos por ambientalistas e agrada aos produtores rurais que mantêm reservas legais em suas propriedades, em acordo com o Código Florestal.

Um ponto controverso na agenda antes mesmo de Bolsonaro assumir são as regras em torno do artigo 6 do Acordo de Paris que preveem mecanismos de mercado que estimulem a cooperação entre países para implementarem suas metas climáticas.

Foi o único ponto a não fechar na reunião do clima de Katowice, na Polônia, em dezembro, a CoP-24. Os negociadores brasileiros defendiam posições não aceitas pelos outros países e tinham apoio apenas de nações interessadas em travar as negociações, como os Estados Unidos e a Arábia Saudita. Não houve consenso e a definição do impasse foi adiada para este ano, no Chile.

"O setor empresarial percebe que há grandes vantagens para o Brasil nestes instrumentos", diz Marina Grossi, presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds), entidade que reúne 60 dos maiores grupos empresariais do país, com faturamento equivalente a cerca de 45% do PIB.

"Não podemos paralisar esse mecanismo financeiro importante do Acordo de Paris."

Em 2018, Ronaldo Seroa da Motta, professor de economia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), coordenou um estudo para o Cebds sobre precificação de carbono. O trabalho sugeria que a criação de um mercado de carbono no Brasil, proposta que foi cuidadosamente estudada pelo Ministério da Fazenda em gestões anteriores, teria que ser um processo gradual, com fase inicial de compromisso de cinco anos, licenças de emissão gratuitas no início e levar em consideração a competitividade de setores mais expostos ao mercado internacional.

O artigo 6 do Acordo de Paris tem dois itens polêmicos. O primeiro é a criação de um mecanismo internacional de transferência de resultados de emissões. O outro é a implementação do Mecanismo de Desenvolvimento Sustentável (MDS) que adota um sistema de linha de base e de créditos de carbono, com contratos entre agentes privados e que precisam ser validados pela Convenção do Clima.

Esses dois itens polêmicos ainda precisam ser regulamentados. A proposta brasileira abria brecha para dupla contagem de emissões (entre o país que vende créditos de carbono e o que compra), no entendimento da União Europeia, por exemplo. "Isso afeta a integridade climática", explica Seroa da Motta, da Uerj.

As discussões da Semana do Clima abrangerão temas como transportes e energia, cidades e florestas e finanças climáticas.

"A ciência é clara e nos diz que enfrentamos uma emergência climática que afeta regiões do mundo de maneiras diferentes", diz Alejandro Kilpatrick, responsável por Finanças Climáticas da Convenção do Clima das Nações Unidas. "Precisamos de ações mais ambiciosas e o mais rápido possível", continua.