O globo, n. 31314, 02/05/2019. País, p. 7

 

Centrais se unem em ato para marcar oposição ao governo

João Sorima Neto

02/05/2019

 

 

Comemorações do Dia do Trabalho viram palco para sindicalistas e partidos de esquerda criticarem Palácio do Planalto

A celebração do Dia do Trabalho em São Paulo, berço do sindicalismo, uniu pela primeira vez dez centrais sindicais, duas frentes populares e representantes de partidos de esquerda como PT, PSOL e PSTU em um ato crítico ao governo do presidente Jair Bolsonaro.

O mesmo palanque reuniu Fernando Haddad (PT) e Guilherme Boulos (PSOL), candidatos derrotados na disputa pela Presidência em 2018, e o deputado Paulinho da Força (Solidariedade), que teve um papel de destaque na articulação que levou ao impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) em 2016.

A reforma da Previdência, proposta mais importante da agenda do governo Bolsonaro, foi escolhida como o foco dos ataques ontem. Paulinho da Força disse que a oposição não tem força para barrara aprovação da reforma da Previdência, mas afirmou que“a rua ’’ dará força para negociar uma reforma mais “justa”.

O presidente do Solidariedade afirmou que os partidos do centrão trabalham para aprovar uma reforma desidratada, que irá economizar metade do estimado pelo pelo governo. Isso, segundo ele, pode evitara a reeleição do presidente Bolsonaro.

Para especialistas, se não houver mudanças nas regras para aposentadoria, a sustentabilidade do próprio sistema está em risco, assim como o crescimento da economia brasileira.

O objetivo da reforma é conter o déficit do sistema de aposentadorias do país, que apresenta rombos crescentes desde 1997. Isso impede que o governo destine mais recursos a saúde, educação, segurança e outros serviços públicos. Além disso, o atual sistema contribui para a concentração de renda, já que os mais ricos se aposentam precocemente, por idade, enquanto os mais pobres precisam atingir as idades de 60 (mulheres) e 65 (homens) para acessar o benefício.

Haddad critica governo

Haddad considerou o ato do 1º de Maio como uma espécie de inauguração de uma agenda dos representantes da esquerda contra o governo Bolsonaro. Ele afirmou que parte da população ainda nutre esperanças de que o governo implemente medidas que resolvam parte dos problemas vividos pelo país.

— É um governo que não dialoga com os anseios de quem quer trabalhar e estudar —disse.

Miguel Torres, presidente da Força Sindical, classificou como histórica a unificação das centrais no ato de ontem. Para Ricardo Patah, presidente da UGT, a unificação das centrais foi uma quebra de paradigma. A União Geral dos Trabalhadores (UGT) também aderiu ao ato único, embora tenha uma posição diferente das demais centrais sobre a reforma da Previdência. A entidade é favorável à reforma, mas com mudanças. O presidente da UGT, Ricardo Patah, afirmou que a central defende uma reforma com gestão eficiente e equidade entre todos os trabalhadores.

Boulos cobrou a presença do candidato derrotado do PDT, Ciro Gomes, no ato no centro de São Paulo:

— Acho que o Ciro Gomes deveria estar aqui. Haddad minimizou: —O Lupi (Carlos Lupi) está aqui representando ele — afirmou.

Desde o fim da eleição, Ciro fez diversas críticas ao PT. Ontem, não se pronunciou. À noite, Jair Bolsonaro fez um pronunciamento na TV sobre o 1º de Maio.

No Rio, nove centrais sindicais organizaram um ato na Praça Mauá, Zona Portuária, também para protestar contra a gestão Bolsonaro. Amedida provisória (MP) que facilita a abertura e o funcionamento de empresas, anunciada pelo governo anteontem, vai na direção correta ao reduzir a burocracia e a insegurança jurídica e estimular o empreendedorismo, avaliam especialistas e associações empresariais. Mas eles ponderam que a maioria dos pontos do texto depende ainda de regulamentação, da aprovação do Congresso e do apoio de estados e municípios, próximos passos do plano.

— O ambiente de negócios no Brasil é hostil à atividade empreendedora. São bemvindas as ações voltadas para a simplificação — disse o presidente em exercício da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Paulo Afonso Ferreira.

Em nota, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo( Fiesp)dis seque“longe de sera solução definitiva, a MP constitui importante passo para a construção de um novo ambiente de negócios”. A Fiesp afirmou ainda que “é preciso aprová-la no Congresso e baixar normas para os pontos que precisam de regulamentação específica para, de fato, melhorara competitividade das empresas .”

'Catequese' de prefeitos

Para a CNI, algumas das medidas exigirão um trabalho de “catequese” junto a estados e municípios. Um exemplo é o licenciamento de negócios de baixo risco, exigência abolida pela MP, mas que deverá ser regulamentada nas cidades.

—Há leis que não pegam no Brasil. Espera mosque não seja uma delas — diz Renata de Abreu Martins, advogada do escritório Siqueira Castro.

Outros órgãos também precisarão avalizar as medidas. A MP determina que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) reduza exigências para que pequenas e médias empresas acessem o mercado de capitais. A CVM informou que já vem tomando medidas para “aumentar a eficiência das regras do mercado” e que os pontos da MP “serão objeto de regulamentação, após as devidas reflexões, incluindo a análise de contribuições feitas no âmbito de audiência pública.”

Investidor anjo

A advogada Marina P rock nor, do Mattos Filho, observa que as aberturas de capital no Brasil se concentram em empresas grandes, devido ao custo, às exigências regulatórias eà demanda de investidores:

—É difícil antecipar o que a CVM vai fazer. Podemos ter um rito mais simplificado para abertura de capital, mas sempre levando em consideração a segurança do investidor.

Ela admite, porém, que o apetite do investidor internacional ainda é um dos principais fatores para determinara demanda por aberturas de capital no país.

Para Sérgio Vale, economista-chefe daMB Associados, aM Pé um bom legado liberal do governo Bolsonaro e pode elevara produtividade da mão de obra brasileira no médio elongo prazos:

—AMP coloca o Brasil num caminho semelhante aode reformas liberais que Perue Colômbia fizeram nos anos 1990 eque explicam a robustez do crescimento econômico nesses dois países até hoje.

Para Amure Pinho, presidente da ABStartups, associação de empresas de base tecnológica, outras ações são necessárias para simplificar, especificamente, problemas enfrentados pelo segmento, como a rigidez da legislação trabalhista ou a responsabilidade civil de um investidor-anjo sobre prejuízos em falências. Já Daniel Kalansky, do Instituto Brasileiro de Direito Empresarial, destaca com opositiva a a restrição da chamada desconsideração da personalidade jurídica, quando o patrimônio dos sócios é usado para pagar dívidas das empresas.