O globo, n. 31313, 01/05/2019. País, p. 4

 

Entrevista - Roberto Leonel: ‘O ministro não tem acesso a nenhuma informação, não pode interferir’

Roberto Leonel

Jailton de Carvalho

01/05/2019

 

 

Em meio à articulação de parlamentares para retirar o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf ) da alçada do ministro Sergio Moro (Justiça) e subordiná-lo novamente ao Ministério da Economia, o presidente do órgão, Roberto Leonel, afirma que a mudança fortaleceu sua estrutura. O Coaf vai aumentar seu corpo de funcionários, segundo ele, de 37 para 70 até julho e, com isso, terá ganho operacional. Ou seja, poderá monitorar melhor as movimentações financeiras suspeitas no país.

Auditor fiscal, Leonel está há quatro meses no comando do Coaf. Ex-chefe do Escritório de Pesquisa e Investigação (Espei) da 9ª Região Fiscal — a inteligência da Receita Federal no Paraná —, ele trabalhou com Moro no caso Banestado e na Operação Lava-Jato.

A seguir, os principais trechos da entrevista, concedida na nova sede do Coaf, um conjunto de salas em um prédio comercial recém construído em Brasília.

Parlamentares querem transferir o Coaf para o Ministério da Economia. O senhor é contra ou a favor?

Desde o início dessas notícias ficou bem claro aqui nossa divisão de tarefas. O Coaf vai responder perguntas técnicas, porque é importante seguirmos a mesma diretriz que o dr. Moro está defendendo em relação à permanência no Ministério da Justiça. Com a vinda do Coaf para o Ministério da Justiça, foram importantes melhoras em termos de estrutura de pessoal e estrutura física. A questão política fica a cargo do ministro tratar. Não vamos discutir decisão do Congresso. Vamos respeitar.

Deputados e senadores dizem que, no Ministério da Justiça, o Coaf fica muito exposto à ação política. O que o senhor diz sobre isso?

Desde 1998, nós temos o mesmo arcabouço legal que não mudou em nada a nossa atividade operacional. A questão do sigilo bancário e das nossas operações continua a mesma. A vantagem do Coaf ter mudado para o Ministério da Justiça foi o aumento do número de funcionários. Vamos dobrar o número de pessoas trabalhando no Coaf até o fim deste semestre. Eram 37. Nós vamos chegar a 70. Foi um dos poucos órgãos que mais que dobraram o número de funções. Além disso, na medida provisória (da reforma administrativa), tivemos a prerrogativa de requisição de servidores. Então, vindo para o Ministério da Justiça, melhorou a questão operacional. Agora, o trabalho do Coaf sempre foi técnico e vai continuar sendo. Temos que respeitar a nossa lei. Basicamente duas, a 9.613 e a Lei Complementar 105 de 2001. Interferência política não iria ter, mesmo mudando de ministério, porque o Coaf tem que trabalhar dentro da lei, tecnicamente. Os parlamentares alegam que a transferência do Coaf para o Ministério da Justiça concede superpoderes ao ministro Moro. Não, porque o nosso trabalho continua sendo com as autoridades policiais, lá do estado X, lá do Ministério Público do estado Y. O ministro não tem acesso a nenhuma informação, não pode interferir, não pode direcionar um trabalho, mesmo porque nossas comunicações são 14 ou 15 mil diárias, chega a três milhões de comunicações ao ano. É impossível você trabalhar manualmente. Não tem como haver uma intervenção humana e dizer: vamos puxar esse daqui.

Mas como o ministro da Justiça direciona a atuação do Coaf ?

Agora, por exemplo, ele está treinando 25 ou 27 policiais no Rio de Janeiro. Cada estado direciona sua força de trabalho para o que desejar. Imaginemos que o Ceará queira montar uma delegacia especializada em combate à corrupção no estado, e ele quiser pôr 27 policiais lá. O estado do Ceará vai ter 27 policiais nessa atividade. Essas pessoas, que exercem investigação, podem habilitarse no Coaf para intercambiar informações sobre lavagem de dinheiro. Alguns dizem que aqueles que não querem a transferência do Coaf para o Ministério da Justiça não querem que se investigue lavagem de dinheiro.

Ano passado o Coaf produziu relatórios sobre funcionários da Assembleia Legislativa do Rio, entre eles Fabrício Queiroz, ex- assessor de Flávio Bolsonaro. Outros relatórios foram produzidos este ano? Houve alguma pressão ?

Por ser um órgão de inteligência financeira, não estamos aqui numa atividade ostensiva. Nós não falamos de casos específicos. Os relatórios são produzidos conforme recebemos as comunicações.

Nesse caso houve alguma pressão ?

Houve comentários... Qualquer um pode fazer comentários, mas de interferência não tivemos nada. Nunca tivemos nenhuma interferência política aqui no Coaf desde 1998.