Valor econômico, v.20, n.4764, 04/06/2019. Brasil, p. A2

 

Redução de salário de servidor pelos Estados volta ao debate do Supremo 

Isadora Peron 

Mariana Muniz 

04/06/2019

 

 

O Supremo Tribunal Federal (STF) deve retomar nesta quinta-feira o julgamento de oito ações que questionam a constitucionalidade de quase três dezenas de artigos da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), sancionada no ano 2000. O principal debate será em torno da possibilidade de reduzir a jornada de trabalho dos servidores para que se possa diminuir os salários pagos ao funcionalismo.

O plenário da Corte começou a analisar o caso em 27 de fevereiro, mas o julgamento foi suspenso após as manifestações da Procuradoria-Geral da República (PGR) e da Advocacia-Geral da União (AGU).

Com Estados e municípios em crise, cresce a pressão para que os ministros do Supremo adotem uma posição que proporcione algum um alívio aos cofres públicos. Relator das ações, o ministro Alexandre de Moraes já afirmou que, apesar do atual cenário, cabe à Corte interpretar a Constituição, e não fazer o que vem sendo chamado de "jurisprudência da crise".

De acordo com o artigo 23 da LRF, Estados que comprometessem mais de 60% de suas receitas com despesas de pessoal poderiam reduzir a jornada de trabalho de funcionários públicos e cortar salários, proporcionalmente. Esse ponto, no entanto, foi suspenso em 2002 por decisão do Supremo.

Em fevereiro, quando o plenário começou a julgar o caso, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, destacou em plenário a importância da lei para garantir o equilíbrio fiscal dos entes da federação, mas defendeu a inconstitucionalidade de cinco dispositivos da norma.

Um dos artigos considerados inconstitucionais pela PGR foi justamente o 23. Segundo ela, a Constituição prevê que a redução da jornada só pode acontecer mediante consentimento do empregado. "Ineficiência do gestor não pode ser resolvida por redução de salários, não porque queiramos, mas porque a Constituição não permite", disse Dodge na época.

Outro ponto questionado na manifestação da PGR é o artigo que estabelece regras imutáveis no modo como o dinheiro público vai ser gasto, em vez de apenas estabelecer referências percentuais que podem auxiliar na gestão da coisa pública. "Agindo assim, a norma dita à entidade federada a forma como ela vai gastar seus próprios recursos, ferindo o princípio federativo", argumentou.

No polo oposto, a AGU, representada em fevereiro pela secretária-geral do Contencioso, Izabel Vinchon, defendeu a validade da medida. Segundo ela, a LRF teve efeitos "saneadores e positivos, mas é certo que a lei se encontra sem a sua plena aplicabilidade" devido aos dispositivos suspensos pelo Supremo.

"Trata-se de uma alternativa menos gravosa ao servidor público, sobretudo em momento de recessão econômica, uma vez que a demissão de servidores antigos, vinculados com frequência a regime previdenciário mais vantajoso, seguida de contratação de novos com remuneração frequentemente inferior e regime previdenciário menos vantajoso, seria inclusive mais fácil para os gestores", afirmou a AGU em memorial distribuído aos ministros do Supremo.

Ainda de acordo com a União, a limitação do empenho de outros Poderes é uma solução dada pela LRF para eventuais omissões na contenção das despesas que faz do Poder Executivo um mero aplicador da lei. "Ou seja, se o Legislativo, o Judiciário, o Ministério Público e demais entes autônomos não realizarem a limitação de empenho quando verificado que a receita não comportará o cumprimento das metas de resultado, o Poder Executivo está autorizado a realizar a limitação de empenho nos moldes da Lei de Diretrizes Orçamentárias."

Apesar de estar na pauta de julgamento de quinta-feira, há a possibilidade de o debate sobre a LRF ser adiado mais uma vez, já que no dia anterior os ministros devem se debruçar sobre outra matéria complexa: a necessidade ou não da autorização do Congresso para a privatização de estatais e suas subsidiárias.