Valor econômico, v.20, n.4764, 04/06/2019. Brasil, p. A2

 

Brasil quer mudar governança em Fundo Amazônia 

Daniela Chiaretti 

04/06/2019

 

 

Os ministros do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e da Secretaria de Governo, Carlos Alberto dos Santos Cruz, enviaram na sexta-feira uma carta aos embaixadores da Noruega e da Alemanha com uma proposta de mudança na governança do Fundo Amazônia. A Noruega é o principal doador - US$ 1, 2 bilhão entre 2009 e 2018, ou 93,8% do total de recursos do Fundo. A Alemanha, o maior parceiro em projetos ambientais do Brasil, destinou US$ 68 milhões ao Fundo Amazônia no período.

"Enviamos uma proposta simples com o objetivo de melhorar alguns instrumentos de governança para que o Fundo Amazônia atinja de maneira mais plena seus objetivos de combate ao desmatamento", disse Salles ao Valor.

O Fundo Amazônia é gerido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). "Não estamos propondo que o fundo deixe de ser gerido pelo BNDES", esclareceu o ministro.

A proposta do governo, adiantou Ricardo Salles, pretende alterar a composição de assentos no Comitê Orientador (Cofa), as regras de funcionamento do comitê e a periodicidade das reuniões. Uma das intenções é "dar mais voz ao governo federal".

O comitê determina as diretrizes de destinação dos recursos do fundo e acompanha os resultados. Tem hoje 23 membros, sendo presidida pelo Ministério do Meio Ambiente. Além do BNDES, o governo federal tem seis representantes de ministérios e um da Fundação Nacional do Índio (Funai). Outros nove postos são ocupados por representantes dos nove Estados da Amazônia Legal.

Os seis assentos restantes pertencem à sociedade civil: Confederação Nacional da Indústria (CNI), Fórum Nacional das Atividades de Base Florestal, Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). As ONGs ambientalistas contam com uma cadeira.

O temor é que o governo de Jair Bolsonaro queira mudar a governança do Fundo Amazônia "para ter mais poder e determinar as estratégias de forma unilateral", resume Adriana Ramos, que coordena o programa de políticas do Instituto Socioambiental (ISA).

"Estamos sugerindo um número para a composição do Cofa", disse Salles, sem detalhar. O número que circula na imprensa seria reduzir o Cofa a sete membros - cinco do governo federal, um da sociedade civil e um dos Estados.

As reuniões do comitê são semestrais e a ideia do governo é que sejam bimestrais. "É o começo de uma conversa [com os doadores]. Eles vão se posicionar, dar suas opiniões, e vamos seguir negociando", disse Salles.

"Fizemos uma primeira análise da carta dos ministros Salles e Santos Cruz, que recebemos em 31 de maio. Temos uma extensa lista de perguntas sobre a proposta dos ministros", disse uma fonte da embaixada da Noruega. "Dessa maneira já solicitamos uma reunião com o ministro Salles para esclarecer o conteúdo e as implicações de sua proposta", seguiu. É a mesma interpretação da Alemanha.

A expectativa dos maiores doadores do Fundo Amazônia (a Petrobras contribui com parcela menor) é que a reunião com Salles aconteça nesta semana. Depois das respostas do ministro, os embaixadores irão consultar Oslo e Berlim.

"O Fundo Amazônia foi desenhado como um fundo privado em um banco público", diz o engenheiro florestal Tasso Azevedo, um dos artífices do mecanismo lançado em 2008. "Se fosse um fundo público, os recursos poderiam ser contingenciados, o que os doadores não querem, de modo algum."

Azevedo também diz que o funcionamento do Cofa é por consenso entre o bloco do governo federal, dos governos estaduais e da sociedade civil. "A tomada de decisão não pode ter um setor se sobrepondo a outro".

A governança independente é ponto-chave do Fundo Amazônia, da maneira que existe até hoje. "Não é um fundo de governo", observa uma fonte. "Ele não foi feito para substituir o governo."

A polêmica em torno do Fundo Amazônia foi iniciada por Salles, que em março iniciou uma operação "pente-fino" no mecanismo criado com recursos proporcionais à redução da emissão de carbono originados nos esforços de conter o desmatamento da Amazônia. O ministro disse em entrevista coletiva em maio que análise realizada pela pasta encontrou "irregularidades" em 25% dos 103 projetos apoiados pelo fundo e em todos os contratos com ONGs. Ele não citou exemplos concretos.

O relatório com as tais irregularidades nunca chegou aos doadores. As acusações surpreenderam os representantes da Alemanha e Noruega, que fizeram várias auditorias na utilização dos recursos e não encontraram nada grave. Os doadores temem que as mudanças propostas à governança do Fundo Amazônia o transformem em uma ferramenta política, perfil que hoje o mecanismo não tem.