Correio braziliense, n. 20442, 10/05/2019. Política, p. 2

 

Golpe triplo no combate à corrupção

Bernardo Bittar

Bia Roscoe

10/05/2019

 

 

Poder » Comissão Mista do Congresso tira Coaf do Ministério da Justiça e proíbe a atuação de auditores fiscais em investigações não tributárias. STF valida indulto que beneficia condenados por crime do colarinho branco

Num só dia, o combate à corrupção sofreu derrotas fragorosas no Legislativo e no Judiciário. No Congresso, a Comissão Mista que analisou a MP 870, sobre a reestruturação da Esplanada, retirou o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) do Ministério da Justiça, devolvendo-o à pasta da Economia. Deputados e senadores também confirmaram a restrição à Receita Federal de investigar delito que não seja tributário, ou seja, o órgão fica impedido de compartilhar com autoridades informações sobre indício de crimes. O texto com as modificações ainda tem de ser aprovado pelos plenários da Câmara e do Senado. Para completar a série de reveses, o Supremo Tribunal Federal validou o indulto de Natal concedido pelo então presidente Michel Temer, em 2017, que estende o benefício a condenados por corrupção.

A transferência do Coaf para a pasta da Economia foi decidida em requerimento aprovado por 14 votos contra 11 na Comissão Mista. Agora, caberá ao ministro da Justiça, Sérgio Moro, fazer um trabalho de convencimento no Congresso para tentar reverter a situação.

Nas últimas semanas, o Palácio do Planalto tentou manter o Coaf com Moro e confiava ter ao menos 15 votos na comissão. O governo usou o argumento de que a permanência do órgão no Ministério da Justiça era fundamental para o combate à corrupção. Venceu, entretanto, a pressão dos integrantes do Centrão e da oposição. Na visão deles, deixar o Coaf “sob o comando de um juiz implacável era dar poder demais ao ministério”. A diferença básica é a seguinte: na pasta da Justiça, as movimentações incompatíveis podem resultar em processos judiciais; na Economia, investigados pelo conselho estariam sujeitos apenas ao pagamento de multas.

Para o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), a transferência do órgão não é uma derrota para o governo. “O mais importante é que ninguém está mexendo no Coaf. Continua com suas atribuições garantidas, onde estiver”, ressaltou.

Não é essa a leitura que faz o presidente da Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais (APCF), Marcos Camargo. “Essa mudança é um tiro no pé do combate à corrupção e esperamos que ela não seja mantida pelos deputados e senadores nas votações que ainda devem ocorrer sobre o assunto”, destacou. “O foco da pasta da Economia deve estar nas políticas que incrementem a geração de riqueza, a arrecadação de impostos, a alocação e a distribuição do dinheiro público.”

Felippo Madeira, professor de ciência política da Universidade Estadual de Goiás, afirmou que a transferência do Coaf para o Ministério da Justiça foi um avanço para a atuação do Estado brasileiro contra o crime. “Isso permite que o conselho possa interagir de modo mais efetivo com outros órgãos investigativos, como a Polícia Federal. E vai acabar perdido, reduzido às multas e questões administrativas”, lamentou.

A Comissão Mista analisou 31 propostas de alterações no relatório do líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE) — cuja opinião era de que o Coaf deveria ficar com Moro. A proposta de recriação dos ministérios da Integração Nacional e das Cidades foi aprovada pelos parlamentares.

Ameaça

A MP 870 não foi, no entanto, votada no plenário da Câmara, como era esperado. Maia decidiu pelo adiamento após o deputado Diego Garcia (Pode-PR) entrar com uma questão de ordem, sob o argumento de que há outras pautas na fila (cinco no total) para votação pelos parlamentares e que caducam antes. A MP da reforma ministerial tem até 3 de junho para ser votada. Depois dessa data, perde a vigência, e a estrutura da Esplanada volta aos moldes do governo Michel Temer, com 29 ministérios e não mais 22, como está agora. “Não houve discussão suficiente para levarmos o texto a plenário”, disse o líder do Podemos na Câmara, deputado José Nelto (GO). (Colaborou Rodolfo Costa)

Canuto fica

O ministro do Desenvolvimento Regional, Gustavo Canuto, permanecerá no cargo mesmo após o desmembramento da pasta. Foi o que garantiu o porta-voz da Presidência da República, Otávio Rêgo Barros.

A pasta será dividida em duas, o Ministério da Integração Nacional, que ficará com o ministro, e o das Cidades, que o presidente Jair Bolsonaro ainda analisa com quem ficará. “Nosso presidente está a decidir, em processo de interlocução, a seleção do nome que venha a compor nossa equipe no Ministério das Cidades”, declarou.

_________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Restrições às investigações da Receita Federal

10/05/2019

 

 

 

 

Por 15 votos a nove, a Comissão Mista do Congresso que analisa a MP 870, da reforma ministerial, manteve o texto que impede auditores fiscais da Receita Federal de investigarem crimes que não sejam tributários, ou seja, eles não podem compartilhar com autoridades informações sobre indício de crimes. A iniciativa gerou protestos de parlamentares. Os críticos à decisão alegaram que a iniciativa é um “jabuti” (tema estranho ao conteúdo da medida provisória) e um retrocesso no combate à corrupção.

Indagado pelo senador Major Olimpio (PSL-SP), o relator Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE) deixou claro que se trata de um posicionamento dele, e não do governo. Segundo o parlamentar, a intenção é delimitar competência. “Essa medida provisória trata da organização básica dos ministérios e dos órgãos federais, o que pressupõe definir não só nomes, mas competências.” Bezerra argumentou que a Receita apura ilícitos fiscais, e qualquer investigação adicional deve ser feita pelo Ministério Público e pela Polícia Federal.

Para Kleber Cabral, presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindifisco), o texto é o mais grave ataque à Receita Federal e ao sistema de combate de ilícitos financeiros. “O que percebemos é que os poderosos afetados pelas operações de combate à corrupção e pela atuação da Receita, da Polícia e do Ministério Público identificaram que a Receita é um componente importante desse coletivo de órgãos e tem poder de investigação”, afirmou.

Mauro Silva, diretor de Estudos Técnicos de Defesa Profissional da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco), também criticou a decisão. “O que se tem é um impedimento de trabalhar em força-tarefa. Atrapalha o trabalho do auditor e restringe o combate a crimes tributários”, destacou. Com isso, o auditor não pode atuar em conjunto com o Ministério Público, com a polícia, conforme ressaltou. “A questão é que, muitas vezes, atrás de crimes tributários há delitos tipificados pelo Código Penal.” (BB e BR*)