O Estado de São Paulo, n. 45811, 22/03/2019. Política, p. A14

 

'Cada um responda pelos seus atos', afirma Bolsonaro

Ricardo Galhardo

Daniel Weterman

22/03/2019

 

 

Em viagem ao Chile, presidente comenta prisão de seu antecessor e a usa como exemplo para rejeitar o que chama de ‘velha política’

Em Santiago. ‘Caminho lá atrás deu errado’

Ao desembarcar ontem à tarde em Santiago, no Chile, onde cumpre agendas até sábado, o presidente Jair Bolsonaro usou a prisão do ex-presidente Michel Temer como exemplo para rejeitar a “velha política” e defender um novo tipo de convívio com os parlamentares.

Para ele, a origem da investigação que levou à prisão de Temer teria sido o método usado pelo ex-presidente para consolidar sua base no Congresso.

“É aquela velha história de Executivo muito afinado com Legislativo, onde a governabilidade vem em troca de cargos, ministérios e estatais”, disse Bolsonaro, que enfrenta críticas de parlamentares por uma suposta falta de diálogo com setores do Congresso. “O que levou a essa acusação, pelo que parece, foram os acordos políticos dizendo-se em nome da governabilidade. A governabilidade não se faz com esse tipo de acordo, no meu entender. Você faz indicando pessoas sérias e competentes para integrar o seu governo.”

Por duas vezes, Bolsonaro disse que a Justiça é para todos. “Cada um responda pelos seus atos. A Justiça nasceu para todos”, disse ele, sobre Temer.

O presidente reagiu às críticas sobre uma suposta falta de diálogo com o Congresso. Ele disse buscar alternativas ao antigo “toma lá, dácá” que marcou a relação entre Executivo e Legislativo desde a redemocratização.

Com o argumento que vai disciplinar o preenchimento de cargos na máquina pública, o governo baixou decreto estipulando requisitos mínimos para os candidatos às vagas, como experiência na área até especializações (mestrado ou doutorado). Ainda assim, o texto deixou brecha para nomeações políticas. Segundo o ministro da Controladoria-Geral da União, Wagner Rosário, as indicações “não estão proibidas”, desde que sejam respeitadas as exigências.

“Somos independentes, Executivo é uma coisa, e Legislativo é outra. A forma de governar, de conseguir votos, como no passado, não está tendo agora. Eu sei que o caminho lá atrás deu errado. Estamos buscando alternativas. A imprensa me critica que não estou tendo diálogo, mas que tipo de diálogo vocês querem que eu tenha?”, questionou o presidente.

Mourão. Após a prisão do expresidente Michel Temer, o presidente da República em exercício, Hamilton Mourão, afirmou que “é muito ruim para o País ter um ex-presidente preso”. Ele lembrou que já fez comentário semelhante sobre o caso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preso desde abril do ano passado, depois da condenacão no caso do triplex do Guarujá (SP). Mourão assumiu interinamente a Presidência após viagem de Jair Bolsonaro ao Chile.

“Já falei a respeito da mesma situação do presidente Lula. É muito ruim para o país ter um ex-presidente preso. Agora, seguem as investigações”, disse Mourão a jornalistas no Palácio do Planalto. Questionado se a prisão de Temer era esperada, Mourão respondeu que “não tinha detalhes” e “estava por fora”.

Sobre a tramitação de propostas do governo Jair Bolsonaro no Congresso, considerou que a prisão de Temer não deve atrapalhar, mas deixa “todo mundo querendo se equilibrar”.

“Acho que não atrapalha. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. A verdade é que fica aquela coisa igual ‘cachorro em cima de canoa’, todo mundo querendo se equilibrar”, afirmou. / COLABOROU JULIA LINDNER

'Atos'

“Governabilidade não se faz com esses acordos (toma lá, dá cá). (...) Cada um responda pelos seus atos. A Justiça nasceu para todos.”

Jair Bolsonaro

PRESIDENTE

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Prisão deve pressionar STF, dizem analistas

Gilberto Amendola

22/03/2019

 

 

Analistas políticos ouvidos pelo Estado são unânimes em afirmar que a prisão do ex-presidente Michel Temer (MDB) deixa o cenário político incerto, tanto para o governo de Jair Bolsonaro como para o Congresso Nacional, e ainda aumenta a pressão sobre o Supremo Tribunal Federal, que deverá ser convocado para julgar um possível pedido de habeas corpus pouco tempo depois de tomar uma decisão considerada contrária à Lava Jato – ao determinar que é a Justiça Eleitoral que deve julgar casos de corrupção se relacionados a crimes cometidos durante campanha eleitoral.

Para Carlos Melo, do Insper, se a liberdade for concedida por algum ministro do Supremo a reação na classe política será positiva, mas a instituição terá de encarar consequências junto à opinião pública. “Vai conturbar o ambiente político e não acredito que o governo tire algum saldo positivo disso. Em breve a opinião pública também irá exigir medidas em relação aos laranjas do PSL e ao envolvimento de políticos com as milícias”, disse. Melo avalia que sem Sérgio Moro à frente da 13.ª Vara federal de Curitiba, o juiz Marcelo Bretas, do Rio, pode assumir protagonismo na Lava Jato.

Para Marco Antônio Carvalho, professor da FGV-SP, tudo o que poderia acontecer para dificultar a aprovação da reforma da Previdência está acontecendo. “Essa prisão vai tumultuar o cenário político. O MDB é um partido com uma bancada importante e essa prisão pode criar obstáculos para a votação da reforma. Ou seja, não é bom para o governo nesse momento.”

Depois de ontem não dá para negar, segundo Rodrigo Prando, do Mackenzie, que a degradação do sistema político chegou ao topo do Planalto. “Nós já vimos isso em relação ao ex-presidente (Luiz Inácio) Lula (da Silva) e agora também com o ex-presidente Michel Temer. São dois ex-presidentes presos”, diz.

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Tentativa de afastar Gilmar de recurso incomoda Supremo

Amanda Pupo

Fabio Serapião

22/03/2019

 

 

Juiz Bretas frisa que caso não tem ligação com operações sob relatoria do ministro, com habeas corpus já concedidos

Gilmar. Decisão foi interpretada como ‘vacina’ ao ministro

A tentativa do juiz federal Marcelo Bretas de evitar que o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), seja o relator de possíveis recursos contra a prisão do ex-presidente Michel Temer incomodou integrantes da Corte. Em sua decisão, Bretas argumenta que o caso não tem relação com a Operação Calicute, que prendeu o ex-governador do Rio Sérgio Cabral e que tem Mendes como relator no Supremo.

O alerta foi interpretado como uma espécie de “vacina”. Gilmar Mendes já concedeu habeas corpus a diversos ex-integrantes do governo fluminense que foram alvo da investigação ou de ações derivadas. Ministros da Corte ouvidos pelo Estadão/Broadcast em caráter reservado afirmam que a definição sobre o responsável por julgar uma eventual contestação da prisão de Temer no STF é o próprio tribunal – em última instância, o presidente da Corte, ministro Dias Toffoli. E consideraram esse trecho do despacho de Bretas uma provocação.

“Apenas para evitar confusões a respeito da competência para eventual impugnação desta decisão, repito que estes autos guardam relação de conexão e continência com a ação penal derivada da denominada operação Radioatividade e seus vários desdobramentos”, afirma Bretas em seu despacho. “Não há relação entre este procedimento e as ações penais derivadas das denominadas operações Saqueador e Calicute e seus desdobramentos”, completou o magistrado.

No Supremo, quando um processo é protocolado, a secretaria judiciária verifica se algum ministro é prevento para julgar o caso, ou seja, se alguma outra ação relacionada já é de competência de um dos 11 integrantes da Corte. Se ninguém se encaixar no critério, é determinada distribuição por sorteio eletrônico. Se o ministro escolhido como relator entende que não é prevento para julgar o processo, ou se considera que um colega deveria ser o relator, a ação é enviada para a presidência da Corte definir a relatoria.

O mesmo acontece se alguém contestar o fato de um ministro ter sido selecionado para relatar o processo. Neste caso, a palavra final será do presidente.

Recado. Na decisão, Bretas ainda mandou um recado ao STF, que na semana passada abriu por conta própria inquérito para apurar ameaças e críticas a ministros da Corte e divulgação de fake news. Antes de entrar no mérito, o juiz afirma que “nenhuma investigação deve ser iniciada pela autoridade judiciária”, em respeito à Constituição e ao princípio da inércia – segundo o qual o magistrado não deve agir se não for provocado.

“Não é permitido aos magistrados afirmarem, ab i nitio (desde o início), quais crimes merecem ser investigados e a respeito dos quais haveria elementos probatórios mínimos a justificar a atuação ministerial e/ou policial”, escreveu. Bretas afirma ainda que “esta atividade judicial espontânea” é própria de sistema inquisitoriais e “totalmente vedada a qualquer membro do Judiciário brasileiro”.