Correio braziliense, n. 20442, 10/05/2019. Política, p. 3

 

Perdão para bandidos do colarinho-branco

Cláudia Dianni

10/05/2019

 

 

Justiça » STF julga constitucional indulto de Natal assinado pelo então presidente Michel Temer, em 2017, que beneficia condenados por corrupção, como presos da Operação Lava-Jato

O Supremo Tribunal Federal (STF) validou ontem, por 7 votos a 4, o decreto de indulto natalino editado pelo então presidente Michel Temer, em 22 de dezembro de 2017. A maioria dos ministros entendeu que o presidente da República tem a atribuição constitucional de editar o documento. Temer reduziu para um quinto o período de cumprimento de pena para presos condenados por crimes sem violência ou grave ameaça, o que inclui os de colarinho-branco, ou seja, os condenados na Lava-Jato.

Com a decisão do Supremo, presos que já tinham cumprido 20% da pena, e todos os demais requisitos do decreto na data da assinatura, podem encaminhar agora o pedido do benefício aos juízos de execução penal. O perdão não beneficia o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que começou a cumprir sentença em abril de 2018.

Votaram pela validade do indulto os ministros Alexandre de Moraes, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio Mello, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Dias Toffoli. Foram contrários Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Luiz Fux e Cármen Lúcia.

No ano passado, procuradores da Lava-Jato criticaram os critérios do indulto de Temer. A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin), que foi julgada ontem. Antes da publicação do decreto, a Lava-Jato tinha recomendado que condenados por crimes contra a administração pública não fossem beneficiados pelo indulto.

O julgamento da Adin havia sido interrompido em novembro do ano passado por um pedido de vista (mais tempo para análise do processo) feito pelo ministro Luiz Fux. Seis magistrados já haviam votado a favor do decreto, e dois, contra.

Discussão

Durante a sessão de ontem, houve discussão entre ministros. “Isso quer dizer que absurdos todos vão valer”, disse Fux. Marco Aurélio rebateu: “Absurdo na visão de vossa excelência”, disse. “O tribunal está declarando a constitucionalidade do decreto, é disso que se cuida”, afirmou Gilmar Mendes. “Estamos decidindo que é legítimo o perdão da pena, após cumprimento de um quinto, independentemente do tamanho da pena, se quatro ou 20 anos, pelos crimes de peculato, tráfico de influência, organização criminosa”, criticou Barroso, o relator.

Em 2016, Temer estabeleceu que só poderiam ser beneficiados pelo perdão pessoas condenadas a, no máximo, 12 anos e que, até 25 de dezembro de 2016, tivessem cumprido um quarto da pena, desde que não fossem reincidentes. Em dezembro do ano passado, Temer não editou um novo indulto, pois o Supremo não tinha terminado o julgamento do que ele assinou em 2017.

O presidente Jair Bolsonaro concedeu indulto, em fevereiro, quando estava internado no Hospital Albert Einstein para cirurgia de retirada da bolsa de colostomia que usava por causa da facada que levou durante a campanha eleitoral de 2018. O documento incluiu presos com doenças graves e terminais, mas proibiu o benefício aos condenados por corrupção, crimes hediondos e de tortura, entre outros.

Perdão da pena

O indulto natalino é um perdão de pena e costuma ser concedido todos os anos em período próximo ao Natal. Previsto na Constituição, é destinado a quem cumpre requisitos especificados no decreto presidencial. Se for beneficiado, o preso tem a pena extinta e pode deixar a prisão.

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Temer aguarda habeas corpus

Augusto Fernandes

10/05/2019

 

 

Quarenta e seis dias após ganhar a liberdade por uma decisão liminar da 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), o ex-presidente Michel Temer (MDB) retornou à prisão, ontem, para cumprir outra determinação do próprio tribunal, que votou pela revogação do habeas corpus que o havia libertado em março, e ficará preso preventivamente. O emedebista é acusado pelo Ministério Público Federal (MPF) de ser o chefe de uma organização criminosa que, ao longo de décadas, teria movimentado R$ 1,8 bilhão em propina relacionada à Usina de Angra 3.

Ao contrário do que aconteceu há dois meses, quando foi preso por policiais federais na rua, desta vez Temer se apresentou à Superintendência da Polícia Federal em São Paulo. Chegou antes das 17h — prazo máximo estabelecido pela 7ª Vara Criminal Federal do Rio de Janeiro —, em um carro particular e cercado de seguranças. Ele permanecerá detido em São Paulo.

Temer está numa acomodação improvisada na Superintendência da Polícia Federal. O prédio não conta com uma sala de Estado-Maior, à qual ele tem direito por ser ex-presidente. De acordo com Eduardo Canelós, advogado do emedebista, a informação foi enviada à 7ª Vara Criminal Federal do Rio de Janeiro, que deve decidir se mantém ou não Temer na superintendência.

Antes de Temer se entregar à polícia, a defesa dele entrou com um pedido de habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça (STJ). O ministro Antonio Saldanha será o relator do caso. Ele poderia decidir sozinho se libertava ou não o ex-presidente, mas optou por levar o tema para ser apreciado pelo colegiado da 6ª Turma do STJ. Na próxima terça-feira, Saldanha e os ministros Sebastião Reis, Rogério Schietti, Nefi Cordeiro e Laurita Vaz analisarão o pedido de liberdade.

Canelós defendeu que não há motivo para a detenção do ex-presidente e que ele “teve sua prisão preventiva decretada sem que se indicasse nenhum elemento concreto a justificá-la”. “A determinação não tem nenhum fundamento. Ela é toda baseada em hipóteses e conjecturas sobre o mérito de uma acusação que nem foi objeto de primeira defesa ainda”, criticou.

“Mau exemplo”

As afirmações do advogado foram uma resposta à decisão do TRF-2, que em sessão na quarta-feira anulou o habeas corpus do ex-presidente por dois votos a um. “Não se trata de perigo à ordem pública. O que se trata é de lesão, abalo, dúvida, estímulo, mau exemplo, reiteração, que é violada frequentemente por autoridades da mais alta patente da República”, disse o desembargador Abel Gomes. “Eu não tenho a menor dúvida que ele foi a base comportamental a partir de um determinado tempo para toda essa corrupção praticada”, acrescentou o desembargador Paulo Espírito Santo. “Eu tinha admiração por ele, continuo tendo, mas estou negando o habeas corpus”, completou. O único desembargador que votou pela manutenção do habeas corpus foi Ivan Athié, relator do processo.

Além de Temer, quem voltou ontem à prisão foi João Baptista Lima, o coronel Lima. Por determinação da 7ª Vara Criminal Federal do Rio de Janeiro, ele será levado a uma unidade prisional da Polícia Militar em São Paulo. Como Temer, coronel Lima havia sido preso pela Polícia Federal na Operação Descontaminação, em 21 de março. Os dois são acusados de desviar recursos das obras de Angra 3. O coronel é apontado como o operador do esquema.