Título: 47% contra Romney
Autor: Tranches, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 19/09/2012, Mundo, p. 16

Republicano enfrenta crise na campanha após divulgação de vídeo no qual considera perdido o voto de quase metade dos americanos, que seriam "dependentes do governo". Ataque a palestinos causa mais danos à imagem do candidato

O número 47 provavelmente será inesquecível para o candidato republicano à Presidência dos EUA, Mitt Romney. A sete semanas de enfrentar nas urnas o presidente Barack Obama, ele se viu sob uma enxurrada de críticas após o vazamento na internet de um vídeo no qual se refere a "47% dos americanos" como pessoas "dependentes do governo", que "não pagam impostos" e com as quais não seria seu "trabalho" preocupar-se (leia trechos). No vídeo, gravado com uma câmera escondida durante um jantar com doadores da campanha, Romney voltou a derrapar em um tema crítico de política externa, quando disse que os palestinos "não têm interesse nenhum" na paz com Israel. A Casa Branca reagiu prontamente e afirmou que Obama se considera "o presidente de todos". O próprio líder disparou uma série de comentários em sua conta no Twitter. A campanha democrata gravou e lançou um vídeo com a opinião manifestada nas ruas por cidadãos comuns.

Alguns comentaristas na imprensa americana trataram o episódio como fatal para a campanha republicana. Analistas políticos concordaram que a polêmica não ajuda o desafiante, mas foram mais comedidos. Nomes importantes do partido trataram de afastar-se dos comentários, mas o próprio Romney não retrocedeu e os reiterou, em entrevista à tevê Fox News. "Acho que as pessoas gostariam de ter um emprego para poder pagar os impostos", disse. A nova polêmica em torno do candidato coincide com a divulgação de pesquisas nas quais o presidente consolida sua vantagem, após um período de empate técnico. Segundo o site Real Clear Politics, que calcula uma média entre as sondagens, Obama aparece com 48,8% das intenções de voto e Romney, com 45,5%.

Gravado em maio, na Flórida, em um jantar com convites a US$ 50 mil, o vídeo foi divulgado na noite de segunda-feira pela revista eletrônica Mother Jones. A gravação foi encontrada na internet por James Carter IV, neto do ex-presidente democrata Jimmy Carter. Entre barulho de talheres e outros ruídos do ambiente, Romney aparece dizendo que "47% dos americanos votará em Obama de qualquer maneira". "Há 47% que estão com ele, que dependem do governo, que se consideram vítimas, que acreditam que o governo tem a responsabilidade de cuidar deles", afirma o candidato. "Nunca conseguirei convencê-los de que devem assumir suas responsabilidades e tomar conta da própria vida."

Logo após o vazamento, a campanha republicana procurou argumentar que Romney se preocupa com os pobres. Mas dois candidatos do partido ao Senado, Scott Brown (Massachusetts) e Linda McMahon (Connecticut), criticaram os comentários. "Não é essa a maneira como vejo o mundo. Muitas pessoas, hoje, querem trabalhar e são forçadas a buscar a assistência pública por causa da falta de empregos", disse Brown à publicação The Hill.

Editoriais e artigos de opinião na imprensa americana apontaram um erro estratégico de Romney. Josh Barro, da Bloomberg, afirmou que o vídeo "matou a campanha" do republicano. Alexandra Petri, do Washington Post, sugeriu à equipe uma nova estratégia: "O candidato precisa parar de falar". Na avaliação de cientistas políticos consultados pelo Correio, o novo episódio desvia as atenções da situação da economia, o que favorece Obama. "A melhor chance de Romney é fazer com que os eleitores avaliem a falha de Obama em levar a economia de volta à prosperidade", disse o analista político James Campbell, da Universidade Estadual de Nova York. Além disso, os democratas podem retomar a pressão para que Romney divulgue suas declarações de renda. "Se ele reclama que outras pessoas não pagam imposto, onde está a evidência de que ele próprio paga?", ponderou o especialista em campanhas Allan Lounden, da Wake Forest University (Carolina do Norte).

Oriente Médio No controverso vídeo, Romney, que acusa Obama de "virar as costas" para Israel, afirma também que os palestinos "não têm interesse" na paz e indica que, se for eleito, "simplesmente abandonará" o tema. Em entrevista à agência de notícias France-Presse, o negociador palestino Saeb Erakat classificou como "inaceitáveis" os comentários do candidato republicano. Segundo o cientista político Shaun Bowler, da Universidade da Califórnia, declarações podem não mudar a opinião dos eleitores, mas podem semear dúvidas quanto ao preparo do republicano: "Quando os problemas de uma campanha se tornam públicos, isso não ajuda o candidato a mostrar-se como um vencedor".

trechos ...

Há 47% das pessoas que votarão no presidente de qualquer maneira. Tudo bem: tem 47% que estão com ele, que são depedentes do governo, que se consideram vítimas, que acreditam que o governo tem a responsabilidade de cuidar deles, acreditam que têm direito a auxílio-saúde, a comida, habitação, o que você quiser. (...) E eles votarão no presidente de qualquer maneira. São as pessoas que não pagam imposto de renda.

Eu me divido entre duas perspectivas (...). Uma, que eu tenho há algum tempo, é de que os palestinos não têm interesse nenhum em alcançar a paz, e de que é quase impensável de ser percorrido. Por que digo isso? Alguns podem dizer: "Deixem os palestinos ficarem com a Cisjordânia, em segurança, e estabeleçam uma nação para os palestinos. (...) Mas onde ficariam as fronteiras? Talvez a uns 10km de Telavive. E, do outro lado da Cisjordânia, de onde seria essa nova Palestina, estariam a Síria e a Jordânia. E é claro que iranianos iriam fazer ali exatamente o que fazem no Líbano e perto de Gaza, iriam enviar mísseis e armas e potencialmente ameaçar Israel. (...) E eu vejo os palestinos não querendo a paz de maneira nenhuma, por razões políticas, comprometidos com a destruição e a eliminação de Israel, e todas essas questões, e então eu digo: "Simplesmente, não tem como".

Personagem da notícia

Democrata com pedigree

O sobrenome famoso foi o que colocou um autodenominado "pesquisador de oposição" como uma pedra no caminho do candidato republicano, Mitt Romney. James Carter IV é neto do ex-presidente democrata Jimmy Carter e assumiu o enfrentamento como uma questão pessoal desde que Romney se referiu a Barack Obama como um presidente "pior até do que Carter". Depois de muitas pesquisas na internet, especialmente no Twitter, Carter IV encontrou a gravação na qual o republicano se refere aos "47%" e convenceu o autor do vídeo a entregá-lo à revista Mother Jones. Em entrevista à NBC News, James disse ter recebido um e-mail do avô felicitando-o pela iniciativa. "Sou um democrata militante. Minha motivação é ajudar os democratas a serem eleitos", disse o rapaz, de 35 anos. Desempregado, Carter IV disse não ter sido pago pela campanha de Obama ou por qualquer outra organização política. Ele revelou já ter divulgado outras gravações contrárias a Romney. O herdeiro é filho de James Earl "Chip" Carter e, em seu perfil no Twitter, diz estar "procurando emprego".