Valor econômico, v.20, n.4774, 18/06/2019. Brasil, p. A7
PDV é só uma das questões de governança no BNDES
Francisco Góes
18/06/2019
A criação de um Programa de Demissão Voluntária (PDV) no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) divide opiniões dentro e fora da instituição de fomento. A ideia foi defendida, no fim de semana, por Carlos Thadeu de Freitas, integrante do conselho de administração do BNDES. No governo, há quem entenda que a redução do tamanho do banco - movimento atualmente em curso - justifica um PDV. Do ponto de vista legal, não existem impedimentos para essa iniciativa, disse uma fonte. Entre o corpo técnico, existem, porém, argumentos de quem um PDV no BNDES pode não ser "factível".
O BNDES tem hoje um quadro de 2,6 mil funcionários, sendo que cerca de 300 desse total devem se aposentar, por idade, até 2023. O restante da força de trabalho do banco é composto por pessoas mais jovens que entraram por concursos na administração do ex-presidente do BNDES Luciano Coutinho, ainda na gestão do PT. Esses funcionários começariam a se aposentar a partir de 2029-2030. A adesão dos mais jovens a um eventual PDV dependeria, portanto, do benefício a ser oferecido.
No governo, existe a avaliação de que a adesão dos servidores mais jovens a um PDV poderia não ser difícil uma vez que o corpo técnico do banco tem um perfil elevado de qualificação técnica, o que tende a facilitar a recolocação no mercado de trabalho.
Essa não é a visão de executivos que passaram por altos cargos de comando no BNDES recentemente. "Ninguém vai sair. Difícil que haja uma adesão [importante] a um PDV", previu uma fonte. Afirmou que o banco tem um ativo total de R$ 835 bilhões, segundo dados de março deste ano, para um quadro de 2,6 mil funcionários, o que demonstra, segundo o interlocutor, que a equipe do banco é de tamanho "razoável". Reconheceu, porém, que, se o projeto do governo for o de diminuir o tamanho do banco, aí a redução de pessoal pode fazer sentido. "O que vem sendo dito [em termos de um BNDES menor] tem lógica [com a redução de pessoal]", afirmou.
Mas existem outras formas de cortar custos, advertiu: "Pode reduzir cargos comissionados e gratificações." Outro tema presente, quando se discute um eventual PDV no banco, é a política de remuneração do BNDES. O banco paga 13 salários por ano e uma bonificação que pode chegar até 4,5 salários adicionais. Em 2018, o bônus foi de 2,25 salários, segundo funcionários do banco. Um técnico disse que a bonificação de 4,5 salários não é paga no BNDES há anos. O banco instituiu uma política de remuneração que passou a considerar o cumprimento de metas por áreas específicas para fins do cálculo do pagamento de bônus. Com a economia em marcha lenta, o banco também viu piorar o seu desempenho operacional e, como consequência, algumas áreas passaram a ter mais dificuldade de cumprir as metas.
Uma fonte avaliou que os salários da diretoria e do presidente do BNDES não são altos se comparados aos dos bancos privados e à realidade do mercado financeiro. Os diretores recebem cerca de R$ 80 mil por mês, enquanto o salário do presidente da instituição é de R$ 88 mil mensais. Levy, que pediu demissão do banco no domingo, não falou publicamente em nenhum momento de sua gestão de quase seis meses sobre um eventual PDV, mas internamente vinha trabalhando sobre a definição de qual seria o tamanho do banco. E nesse trabalho vinha procurando trazer para a discussão o conselho de administração do BNDES, instância para a qual foi indicado o economista Gustavo Franco.
O papel do conselho de administração do BNDES foi reforçado em 2017 com a aprovação de um novo estatuto social e a adesão do banco à nova Lei de Responsabilidade das Estatais. O BNDES foi a primeira estatal federal a adequar integralmente seu estatuto aos novos padrões de governança, controle e transparência exigidos pela lei. Cabe ao conselho, por exemplo, eleger o presidente e os diretores do banco. Agora tanto a demissão de Levy quanto a indicação do novo presidente do BNDES, Gustavo Montezano, vão passar pelo conselho do banco. O conselho é formado por 11 integrantes, sendo sete indicados pelo controlador, a União. No processo de aprovação, o ministro da Economia, Paulo Guedes, indica o nome ao conselho, que faz a apreciação. No domingo, havia previsão de reunião do conselho do banco para amanhã, sob o comando de Franco.
Fonte da área econômica disse ainda que o modelo de governança do BNDES e a Lei das Estatais não foram "feridos" no episódio da saída de Levy do banco uma vez que, formalmente, ele pediu demissão. "Foi uma decisão pessoal", disse outro interlocutor. O estatuto do banco, de 2017, estabeleceu uma política de dividendos para a União segundo a qual o controlador recebepercentual mínimo de 25% de remuneração do BNDES.
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Indústria quer mais ênfase no papel de banco de fomento
Ana Conceição
18/06/2019
Industriais esperam que a nova gestão do BNDES reforce seu papel de instituição de fomento ao setor produtivo e à infraestrutura, uma agenda que parece ter ficado em segundo plano diante das exigências de devolução de recursos ao Tesouro e de diminuição da carteira de seu braço de participações. O setor produtivo também vê com preocupação as propostas que reduzem o funding da instituição.
Pedro Wongtschowski, presidente do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), considera que o papel central do BNDES é financiar a inovação, exportação, infraestrutura, pequenas e médias empresas. O executivo, que preside o conselho de administração da Ultrapar, diz que o banco de fomento também deveria ter um papel maior na formulação e preparação de editais de concessões, parcerias público-privadas e formatação de privatizações. "O Ministério da Economia precisa do BNDES para fazer isso de maneira rápida e benfeita. E esse conhecimento está subaproveitado no banco", diz.
Wongtschowski não partilha da avaliação de alguns segmentos do setor produtivo de que sob a gestão de Joaquim Levy o BNDES tornou-se mais lento na avaliação de projetos e desembolso de recursos.
A despeito de a demanda por recursos estar deprimida no setor industrial, ele vê com preocupação a proposta que dá fim aos repasses do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) ao BNDES, incluída no relatório da reforma da Previdência na Comissão Especial da Câmara. "Esses recursos representam 35% do funding do BNDES. Não concordo que se abra mão disso."
João Carlos Marchesan, presidente do conselho de administração da Abimaq (associação dos fabricantes de bens de capital), preferia ver no comando do BNDES alguém preocupado com políticas de fomento ao setor produtivo. "É preciso alguém com uma visão de empresário, que olhe para o desenvolvimento. Não alguém que tenha visão de banqueiro", disse o executivo. Por visão de banqueiro, ele define alguém mais preocupado com as finanças da instituição que com as políticas de fomento ao setor produtivo. Marchesan diz que não tem opinião formada sobre a gestão de Joaquim Levy.
Dono de uma fabricante de implementos agrícolas, Marchesan vê com preocupação o esvaziamento do BNDES, cujos desembolsos tiveram forte queda nos dois últimos anos, e com as propostas que tiram recursos do banco. "O BNDES não pode perder de vista o propósito para o qual foi criado, que é o de ser um banco de fomento", afirma. Marchesan diz que a instituição pode tocar as privatizações, como quer o governo, e ao mesmo tempo financiar projetos do setor produtivo.
Para ele, os bancos privados não são capazes de financiar a indústria. Ainda que a TLP tenha aproximado das taxas do BNDES a aquelas praticadas no mercado, suas linhas de financiamento ainda são competitivas, e seus prazos, mais longos.
Rubens Ometto, dono da Cosan, disse que não vê com preocupação a demissão de Joaquim Levy. "O BNDES perdeu importância. O presidente quis trocar, trocou", disse. (Colaborou Camila Souza Ramos)