O Estado de São Paulo, n. 45810, 21/03/2019. Metrópole, p. A15

 

Promotor diz que Vale obstruiu apuração

Leonardo Augusto

21/03/2019

 

 

Mineradora pediu encerramento do inquérito que analisava condições de barragens, incluindo a de Brumadinho, que se rompeu em janeiro

A Vale utilizou a Tüv Süd, empresa alemã que contratou para atestar a segurança da barragem que rompeu em Brumadinho, para obstruir a atuação de órgãos de fiscalização e controle do setor de mineração no Brasil. A acusação é do promotor William Garcia Pinto, do Ministério Público de Minas Gerais, que atua na parte criminal da força-tarefa que apura as causas da ruptura da estrutura.

O promotor disse ainda que a Vale, em novembro do ano passado, pediu o encerramento de inquérito aberto pelo MP para apurar as condições de segurança da barragem que acabou se rompendo dois meses depois. O inquérito foi aberto depois do rompimento da barragem da Samarco, que pertence à Vale e à BHP Billiton, em Mariana, e envolveu outras barragens no município.

Também neste caso, segundo o representante do MP, foi utilizada uma documentação emitida pela Tüv Süd para justificar o fim do inquérito. “A Vale protocolou pedido para que o inquérito fosse arquivado, alegando que não havia risco da barragem que se rompeu para a vida humana, a saúde e o meio ambiente”, disse o promotor, durante seminário da Associação dos Juízes do Brasil (Ajufe), anteontem.

“A atuação da Tüv Süd foi determinante para dificultar a atividade dos órgãos de fiscalização e controle, a partir do momento em que certificou a estrutura da barragem, e corrompeu todo o modelo de certificação brasileiro de segurança de barragem”, disse o promotor que acompanha o caso.

Pinto disse ainda que a mineradora prossegue com essa estratégia. “Até hoje a Vale se utiliza, se escuda na potencial credibilidade da empresa (Tüv Süd) para dizer que não sabia de nada. A empresa foi utilizada, por exemplo, para dificultar a atividade do MP e tirar do radar do poder público a prioridade daquela barragem que estava tão crítica, e dois meses depois se rompeu.”

Pressão. Dois engenheiros da Tüv Süd estão entre as 13 pessoas que foram presas ao longo dos quase dois meses de investigação. As outras 11 são funcionárias da Vale. Um dos engenheiros da Tüv Süd, Makoto Namba, afirmou em depoimento ter sido pressionado pelo gerente executivo corporativo da Vale, Alexandre Campanha, para que emitisse o laudo. O executivo da mineradora, também em depoimento, negou que tenha feito a pressão.

Procurada pela reportagem, a Vale divulgou uma nota. “Ao contratar uma empresa de auditoria de renome internacional, como a Tüv Süd, que atua em mais de 50 países, a Vale esperava que os auditores dessa empresa tivessem responsabilidade técnica, independência e autonomia

na prestação de seus serviços, pois cabe ao auditor o papel de realizar um processo sistemático, documentado e independente para obter todas as evidências possíveis e avaliá-las objetivamente, privilegiando a segurança acima de tudo.”

Em relação ao inquérito instaurado em 2016, cujo objetivo era averiguar a estabilidade das barragens de Brumadinho, a Vale esclareceu que em novembro de 2018 apresentou os planos de segurança dessas estruturas, conforme solicitado pelo Ministério Público de Minas Gerais, e solicitou o arquivamento do inquérito por “confiar plenamente que as informações prestadas desde 2016 atestavam a estabilidade das barragens conforme a legislação vigente.”

A Tüv Süd disse que ainda prefere não comentar as investigações, mas reitera que iniciou uma apuração independente sobre o caso.

Tragédia

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pessoas morreram com o rompimento da barragem 1 da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, no dia 25 de janeiro. Outras 97 pessoas são consideradas desaparecidas.