Valor econômico, v.20, n.4774, 18/06/2019. Empresas, p. B1

 

Odebrecht faz a maior recuperação judicial do país, de R$ 98,5 bilhões 

Graziella Valenti 

Talita Moreira 

18/06/2019

 

 

A Odebrecht levou ontem à 1ª Vara de Falências de São Paulo um pedido de recomeço. O valor total de dívidas listadas na Justiça é de R$ 98,5 bilhões, que pertencem à holding ODB e mais um conjunto de controladoras e controladas que somam 21 empresas. Trata-se da maior recuperação judicial, de longe, já realizada no Brasil. Do total, R$ 65,5 bilhões podem ser cobrados do grupo. Outros R$ 33 bilhões são empréstimos feitos entre as companhias do grupo e que precisam ser listados ao juiz, mas não representam problemas.

A percepção do conglomerado é que ele ainda não teve o reconhecimento de que merece uma segunda chance, apesar de ter cumprido o ritual de assumir compromissos com a Justiça pelos malfeitos revelados na Operação Lava-Jato, em diversos acordos de leniência no Brasil e em outros países, e ter desenvolvido um modelo de governança e controles.

    O presidente da ODB, Luciano Guidolin, encaminhou aos funcionários uma carta, pouco após às 18h. "Gostaria que entendessem que, para nós, a recuperação judicial é a medida mais adequada neste momento. Representa uma mudança de ambiente para dar continuidade ao nosso esforço de reestruturação financeira. A partir de agora, a negociação se dará em forma coletiva com os credores (...) e com mais coordenação, segurança e transparência", disse ele.

    Há meses, o grupo tentava uma negociação privada com os bancos nacionais para uma recuperação extrajudicial, mas tornou-se alvo de execuções por parte da Caixa. Na semana passada, uma das cobranças, referente a R$ 632 milhões da construção da Arena Corinthians, chegou às últimas consequências com a citação da Odebrecht pela Justiça. O Bradesco tentou, inclusive durante o fim de semana, organizar os bancos para uma saída negocial.

    Das dívidas levadas ao juiz, contam dentro da recuperação judicial como direito de voto R$ 84 bilhões - R$ 51 bilhões em dívidas financeiras mais R$ 33 bilhões dos compromissos dentro do grupo (que na prática não vota).

    Há outros R$ 14,5 bilhões de dívidas que têm como garantia ações de companhias controladas: a petroquímica Braskem, a companhia de navios-sonda Ocyan e a produtora de etanol Atvos. As participações nesses negócios foram cedidas em "alienação fiduciária", que dá plenos poderes ao dono do crédito para execução dos ativos. Como são considerados de alta prioridade, tais créditos são chamados de "extraconcursais". Dívidas com essas coberturas não dão direito a voto na assembleia que decidirá o plano de reestruturação.

    Na soma de vencimentos concursais e extraconcursais, Itaú, Bradesco, BNDES, Banco do Brasil, Caixa (com FI-FGTS) e Santander têm créditos de R$ 32,8 bilhões listados na recuperação judicial.

    "O mesmo conjunto de premissas que estávamos tentando na negociação não judicializada será usado na recuperação judicial. O processo inclui a holding e todo o perímetro que possui forte ligação com ela, com dívidas e garantias cruzadas", explicou Ricardo Knoepfelmacher, da RK Partners, à frente das negociações do grupo.

    A recuperação judicial, protocolada ontem às 16h50, ficará aos cuidados do juiz João de Oliveira Rodrigues Filho, que já está à frente do caso da Atvos. O administrador judicial será o mesmo também, a Alvarez & Marsal. Pela Odebrecht, quem conduz ao lado da RK é o escritório E.Munhoz Advogados, de Eduardo Munhoz.

    Após consultar especialistas, a Odebrecht decidiu não listar o Ministério Público Federal (MPF) como credor, pelo acordo de leniência de R$ 3,6 bilhões. Em outras jurisdições, esse tipo de acordo é renegociado com as demais dívidas.

    O processo da ODB não afeta a controlada Braskem, nem OEC e Ocyan, além da empresa de incorporações imobiliárias OR e o estaleiro Enseada. A Atvos, que já levou suas dívidas à Justiça, terá uma reestruturação à parte. Para além da solução para os compromissos da ODB, ainda será preciso reorganizar as dívidas de algumas controladas, como OR e Enseada. É possível que ambas tenham que ter suas próprias recuperações judiciais. A Braskem está distante de ter problemas financeiros e a Ocyan reorganizou os vencimentos em 2017.

    "O processo da Odebrecht é uma oportunidade para demonstrar que o ambiente institucional brasileiro avançou e está preparado para assegurar que a recuperação judicial constitue um instrumento eficiente para preservar uma empresa que é importante para o país, pois é detentora de ativos relevantes e estratégicos, como Braskem, OEC e Atvos, de tecnologia de engenharia avançada e que congrega mais de 45 mil famílias de trabalhadores diretos", destacou Munhoz ao Valor. "A preservação de uma empresa dessa importância vai muito além da defesa do interesse de seus acionistas, sendo relevante para o conjunto de seus credores e para toda a sociedade brasileira", completou.

    Ao longo da petição inicial, a Odebrecht apresenta seu histórico de crescimento e investimentos realizados que levaram a dívida consolidada do grupo a subir de R$ 18 bilhões para R$ 110 bilhões, entre 2008 e 2015, ano que marca o auge de resultados do conglomerado e também o início da crise, com a prisão de Marcelo Odebrecht, então presidente da holding ODB. Nesse intervalo, a receita bruta consolidada aumentou de R$ 40 bilhões para R$ 132 bilhões. Hoje, está em torno de R$ 80 bilhões.

    A crise deflagrada pela Lava-Jato, somada à retração da economia brasileira, levaram a Odebrecht a reestruturar ao longo dos últimos anos R$ 27 bilhões em dívidas de suas controladas e a vender, só no âmbito da ODB, R$ 7,2 bilhões em ativos. Considerando as alienações feitas pela Odebrecht TransPort, o total vai a R$ 9 bilhões.

    Foi ao longo dessas reestruturações que o conglomerado entregou como garantia todas as ações de Braskem e o controle de Ocyan e da Atvos.

    Por conta disso, o grupo também levou ao juiz o pedido de proteção dessas participações, para evitar que os credores tentem executar tais garantias. A ODB argumenta que as três companhias constituem "bens essenciais" e destaca que a petroquímica é hoje seu ativo mais valioso e gerador de 79,4% da receita bruta de 2018. Na prática, significa que os credores não poderão vender essas ações durante a recuperação.

    Guidolin afirmou, aos funcionários do grupo, que ao longo dos últimos anos a empresa manteve o apoio às controladas. Além de assumir R$ 4 bilhões de dívida para reestruturação da Atvos em 2016, a ODB fez ainda aportes de R$ 1 bilhão na OEC, US$ 530 milhões na Ocyan, R$ 900 milhões na Enseada, e R$ 500 milhões na OR.

    Conforme o Valor antecipou, a Odebrecht buscará transformar cerca de R$ 20 bilhões, dos R$ 51 bilhões, numa dívida semelhante a uma participação acionária - sem vencimento, sem juros, com direito a dividendos e participações em vendas de ativos. O formato para isso ainda não está definido. Para recuperar essa dívida, a ideia é usar parte das ações da Braskem que já estão dadas em garantia, o que afetará os créditos extraconcursais, mais dividendos futuros da OEC e da Atvos. Essa discussão já avançou nos diálogos durante o fim de semana. Os detentores da cobertura estavam dispostos a ceder parte na negociação privada, mas queriam que a ODB desse contrapartidas.

    Outros R$ 7 bilhões deverão ser cortados na recuperação extrajudicial de R$ 12 bilhões da OEC com bônus internacionais - em reorganização separada e conduzida pela Moelis & Company mais Cleary Gottlieb Steen & Hamilton.