Valor econômico, v.20, n.4774, 18/06/2019. Empresas, p. B3

 

Gigante da construção vai ao fundo do poço após 75 anos 

Ivo Ribeiro 

18/06/2019

 

 

O grupo Odebrecht, fundado em 1944 pelo patriarca Norberto Odebrecht, enfrenta o fundo do poço, após as gestões de seu filho Emílio e do neto Marcelo. Sobreviver será o grande desafio da empresa, ante o pedido de proteção judicial multibilionária contra credores. Mais de 85% das empresas familiares no mundo, conforme consultorias especializadas, não passam da terceira geração.

Ainda estudante de engenharia, Norberto assumiu em 1941 o comando dos negócios do pai, também chamado Emilio, que se encontrava atolado em dívidas por causa da crise da construção civil durante a Segunda Guerra Mundial. Três anos depois, com a empresa reorganizada, ele fundou a Norberto Odebrecht Construtora, que deu origem ao grupo que, no auge, somava dez negócios diferentes - de petroquímica a estaleiro. A companhia chegou a ter, então, mais de 180 mil empregados e presença em dezenas de país. Em 2015, atingiu faturamento de R$ 132 bilhões, mas já carregava uma dívida praticamente impagável.

Luterano por formação (descendente de alemães) e baiano por natureza, como descreve uma publicação sobre o empresário, Norberto, ao assumir a empresa do pai, fez um pacto com os bancos: "arranjem-me obras que eu pago as dívidas". Fez também um pacto com os empregados.

Transformada em Construtora Norberto Odebrecht (CNO), a empresa saiu do reduto Salvador e interior da Bahia para as regiões Nordeste e Sudeste a partir dos anos de 1960. Passou a participar de grandes obras de infraestrutura pelo país, como aeroportos, hidrelétricas e rodovias. Na década seguinte já alcançou presença em todo o território brasileiro, ganhando o respeito em capacitação técnica em obras complexas de engenharia.

No fim do anos 60 ganhou a obra de construção da sede da Petrobras e passou a vencer seguidas concorrências, como o Aeroporto do Galeão e a usina nuclear de Angra dos Reis. Com a hidrelétrica de Charcani, no Peru, no fim dos anos 70 inicia a fase de internacionalização. Nessa época, começa também a diversificar os negócios: entra na indústria química e petroquímica na Bahia.

Norberto foi deixando sua marca na companhia ao longo da sua gestão executiva, que durou até 1991. Naquele ano, entregou o bastão ao filho Emílio Odebrecht, que já o acompanhava no dia a dia da empresa fazia tempo. Ficou apenas na presidência do conselho, até 1998, quando foi se dedicar às suas fazendas de cacau na Bahia e projeto ambientais.

Seu grande legado à frente da empresa que criou foi também a TEO (Tecnologia Empresarial Odebrecht), adotada como cartilha por todos os empregados da empreiteira. Na obra "Sobreviver, Crescer e Perpetuar", de sua lavra, indicou o que seriam os quatro pilares da sabedoria: economia de tempo, trabalho em equipe, incentivo permanente à produtividade definição de prioridades.

Em linha com sua expansão local e internacional, em 1981 o grupo criou a holding Odebrecht S.A. (ODB), com participações em diversos negócios. Na década seguinte, torna-se a maior construtora de obras pesadas da América Latina e uma grande exportadora de serviços. Entra também no mercado dos Estados Unidos.

Em sua trajetória, a Odebrecht manteve forte relação com os governos. Com os militares, atuação nos gabinetes de autoridades de Brasília. A partir de 1985, lobbies distribuídos por uma rede de influências políticas espalha entre o Congresso Nacional e o Palácio do Planalto. Se Norberto apoiou, e transitou bem no curto período de Fernando Collor, Emílio ocupou espaços nos governos que vieram depois - de Itamar a Fernando Henrique Cardoso e Luís Inácio Lula da Silva.

O empresário foi um dos grandes fiadores de Lula, principalmente no início do governo. A Odebrecht quase quebrou em 1999, com a maxidesvalorização do dólar. Teve de vender vários ativos, ficando apenas com a construtora (CNO) e participações em petroquímica. A partir de 2002, já com forte influência de Marcelo nos negócios, começa a remontar o conglomerado. Cria a Braskem, que, com apoio do governo e parceria da Petrobras, foi incorporando outros ativos do setor, tornando-se monopolista no setor.

Emílio fez uma transição com executivos na presidência até Marcelo assumir o comando da Odebrecht S.A. em 2008. Ele ficou no conselho. A partir de 2005, entrou em setores de infraestrutura, óleo e gás, sucroalcooleiro, incorporação imobiliária, concessões de mobilidade e transportes, energia, defesa e serviços navais.

O grupo cresceu aceleradamente sob a gestão do novo comandante, que imprimiu um modelo de líderes de negócios com total liberdade para conversar com governos onde a empresa tinha presença e para fechar contratos. No fim do dia, dizia, o que cobrava, de fato, de cada um, era resultado, afirmou em entrevista ao Valor dois anos antes de ser preso e afastado das suas funções no grupo.

Marcelo tinha uma grande ambição. Em 2013, quando a Odebrecht previa atingir faturamento próximo de R$ 100 bilhões - cifra alcançada no ano seguinte -, o empresário já traçava o que chamou de Projeto 20-20. A meta era atingir receita R$ 200 bilhões na virada de 2020 para 2021.

A Operação Lava-Jato, deflagrada em março de 2014, para investigar contratos de empreiteiras e outros fornecedores com a Petrobras, derrubou por terra o plano do empresário. Em 19 de junho de 2015, Marcelo foi preso e, no fim de 2016, foi assinado um amplo acordo de leniência com as autoridades, envolvendo 78 pessoas da empresa - Emílio, Marcelo e 76 executivos. Desde 2016, mesmo com a venda de R$ 7,2 bilhões em ativos no Brasil e exterior e repactuação de dívidas de controladas, o grupo entrou numa profunda crise.