Valor econômico, v.20, n.4775, 20/06/2019. Política, p. A9

 

Senado contraria Bolsonaro e derruba decreto das armas 

Vandson Lima 

Renan Truffi 

20/06/2019

 

 

Apesar da pressão direta do presidente Jair Bolsonaro, que chegou a contatar vários parlamentares, e da força - e eventuais ameaças - das redes sociais bolsonaristas, o Senado impôs ao governo sua derrota mais significativa até agora ao votar majoritariamente pela derrubada do decreto presidencial que alterou as regras de uso de armas e de munições, facilitando o porte.

Foram 47 votos a 28 para sustar os efeitos da medida, que segue agora para votação na Câmara. O presidente, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) já adiantou que considera "frágil a defesa" do governo à proposta. Maia, assim como fez a maioria do Senado, avalia que Bolsonaro extrapolou suas atribuições ao editar o decreto e que a mudança deveria ser proposta por projeto de lei.

No Palácio do Planalto, o presidente disse que não tem plano B, mas garantiu que vai atuar para que o cidadão não tenha dificuldades para ter arma em casa. "Olha só, a Polícia Federal está sob meu comando e no Brasil o grande 'reclamo' do pessoal do passado era que a PF, na questão de efetiva necessidade, tinha dificuldade", disse. "Isso vai ser atenuado, porque vou determinar ao ministro [da Justiça] Sérgio Moro, que tem a PF abaixo dele, para a gente... não é questão de driblar, é não dificultar quem quer por ventura ter arma em casa", completou. Mais cedo, Bolsonaro havia dito que respeitaria a decisão do legislativo, pois é um "democrata", e não um "ditador".

No plenário, vários senadores relataram ameaças recebidas por se posicionarem contra o decreto. "Falaram que minha casa poderia ser arrombada e uma bala colocada nos meus familiares. Esse é o perfil de quem está pedindo a liberação de armas no Brasil", disse a senadora Eliziane Gama (CID-MA). "No meu celular, mandaram ameaças, dizendo que se não tinha carro blindado, deveria ter", contou Rose de Freitas (Pode-ES).

Líder da oposição, Randolfe Rodrigues (Rede-AP) lembrou que, mesmo após o presidente Davi Alcolumbre (DEM-AP) anunciar na sexta-feira que tomaria providências para proteger os senadores, Bolsonaro foi às redes no sábado e pediu que seus eleitores pressionassem os parlamentares. "O problema é quando o presidente ameaça as instituições. São mensagens incitadas pelo presidente".

A base bolsonarista favorável ao decreto, que falhou em convencer a maioria, foi criticada pelos senadores pela postura considerada arrogante. Aos gritos, o líder do PSL, Major Olímpio (SP) tentou intimidar os pares. "O bandido vai continuar barbarizando e os senhores [senadores] vão tirar do povo a esperança de cada um se defender". Alessandro Vieira (CID-SE), que disse ter votado em Bolsonaro no segundo turno da eleição, rebateu. "Essa sua fatura eu não assino, Major. Não estou do lado do bandido, nenhum dos nossos colegas está. Você está jogando para a plateia".

Otto Alencar (PSD-BA), usou a ironia para criticar a pressão virtual. "Os robôs do Major Olímpio cometem muito erro de português e escrevem muito palavrão. Major, bota seus robôs na escola".

Relator da proposta na CCJ, o senador Marcos do Val (CID-ES) tentou orientar os colegas a falarem com um policial da Swat, que estava presente na sessão. "Queria marcar a presença aqui de um policial da Swat de Dallas, o Jason Perez, que é americano. Jason, put your hands up [em inglês, levante as mãos]". Depois, considerou as falas dos outros senadores "achismo". "Poucas pessoas aqui têm experiência na área da segurança pública".

A iniciativa foi ironizada pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL). "Eu nunca vi um lobby tão explícito como esse na história deste Senado", disse. A senadora Kátia Abreu (PDT-TO) complementou. "O lobby aqui não é autorizado. No Brasil, é crime".

Filho do presidente, Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) defendeu que hoje o critério de porte hoje é aleatório. "Sabem como é hoje? Um delegado da Polícia Federal olha para você e diz se você pode ou não comprar uma arma. O decreto não trata e nem concede porte de arma para ninguém. Isso é uma falácia. Trata apenas de um dos vários itens para que o cidadão possa ter acesso ao porte".

O ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, defendeu o decreto de armas como "um sagrado direito de qualquer ser humano". "Armas não matam. O que matam são as pessoas. Deixa ela quietinha no armário que não acontece nada. Nós estamos tratando do direito individual e do livre arbítrio. Simples assim".

Onyx apontou que a iniciativa foi uma resposta do presidente Jair Bolsonaro aos números do referendo sobre comercialização de armas de fogo e munição no país, de 2005. O ministro atacou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que, segundo ele, "desrespeitou" a decisão da população. Na ocasião, 63,94% votaram contra a proibição da comercialização, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Ao ser contestado por parlamentares da oposição, que destacaram que um levantamento do Datafolha, publicado em abril, mostrou que apenas 34% das pessoas acredita que a posse de armas deve ser um direito, enquanto 64% defendem a proibição da posse de armas, Onyx disse: "Se a gente fosse atrás do Datafolha, o [Fernando] Haddad era presidente. Essas pesquisas, para mim, não valem nada", atacou. (Colaboraram Marcelo Ribeiro e Carla Araújo)