O Estado de São Paulo, n. 45810, 21/03/2019. Economia, p. B5

 

Câmara reage mal a 'alívio' para militares

Camila Turtelli

Mariana Haubert

Júlia Lidner

Renato Onofre

21/03/2019

 

 

Avaliação é que estratégia de atrelar revisão da Previdência da categoria à reestruturação de carreiras dá ‘recado errado’ para a sociedade

Deputados reagiram negativamente à proposta entregue nesta quarta-feira, 20, pelo presidente Jair Bolsonaro ao Congresso que atrelou a discussão da previdência dos militares à reestruturação das carreiras das Forças Armadas. Até mesmo entre os parlamentares da base, há uma impressão de que a reestruturação dá um recado errado à sociedade. Para o delegado Waldir (PSL-GO), líder do partido do presidente na Casa, é necessário analisar com cuidado a medida.

“Penso que é um dialogo que não era o momento para estar sendo discutido”, disse afirmando que a medida traz custos à União no momento em que o governo precisa trabalhar mais o convencimento dos parlamentares.

O líder do DEM na Câmara, Elmar Nascimento (BA), é direto e afirma que a concessão aos militares poderia abrir caminho para se fazer o mesmo entre civis. “Se começa a fazer concessões, o risco é desfigurar completamente a proposta aqui. Poderia ter reestruturação (de carreira) para civis também, abrir caminho para isso. Inclusive para nós, que estamos há quatro anos sem ajuste. Isso pode contaminar o ambiente e os outros segmentos”, disse o parlamentar. Ele afirmou que ainda não viu a proposta do governo, mas que pretende verificar se não seria possível ter aplicado uma “equidade maior” em comparação com a reforma geral da Previdência.

Para lideranças ouvidas reservadamente pelo Estado, o caminho da Previdência, que era considerado “complicado”, ficou “muito difícil”. Até entre membros governistas da Comissão de Constituição de Justiça (CCJ), onde Planalto via uma votação tranquila, acham que a proposta pode encontrar barreiras.

“Temos de tratar todos da mesma forma. Não dá para ser seletivo e privilegiar uma categoria sob risco de prejudicar toda a tramitação da reforma da Previdência”, completou Nascimento.

Falha .O principal ponto de dificuldade do governo é a articulação política. O presidente daCâmara, Rodrigo Maia, ao sair de uma reunião no Ministério da Economia com Paulo Guedes, e com o secretário especial da Previdência, Rogério Marinho, afirmou que a articulação do governo com o Parlamento está caminhando, mas “ainda peca”. “Hoje o ministro Canuto (Desenvolvimento Regional) foi ao Ceará inaugurar uma obra com um deputado. É esse tipo de desarticulação”, disse.

Para Maia, os ministros precisam tornar os deputados mais participantes de seus atos. “Mostrar que eles estão governando juntos”, disse. Ele sugeriu, por exemplo, que inaugurações de obras sejam feitas às segundas e sextas-feiras, para que deputados possam participar, sem perder as sessões da Câmara. “Isso é muito mais relevante do que ficar discutindo cargos. É esse tipo de sintonia fina que temos de buscar”, disse Maia.

Sobre o projeto de lei que trata dos militares, Maia disse que ainda não leu o projeto, mas ressaltou que o importante é que ele já foi encaminhado.

“A figura mais importante desse processo é o presidente da República, não é a Câmarasozinha que vai passar essa matéria. A defesa do presidente facilita e dá argumentos para que os parlamentares, aqueles que defendem a aprovação possam fazer a defesa na sociedade”, disse. Sobre a base do governo hoje na Câmara, Maia disse que ainda não há, mas que está sendo construída.

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Sacrifício das demais categorias vai ser maior, segundo analistas

Barbara Nascimento

Douglas Gavras

Eduardo Rodrigues

Francisco Carlos de Assis

21/03/2019

 

 

Para economistas, proposta para militares já chega desidratada e alíquota prevista em 10,5% é baixa demais

Além de o impacto líquido de R$ 10,45 bilhões – previsto na proposta da reforma da previdência dos militares – ser pequeno, a reforma exigirá mais sacrifício dos demais trabalhadores, segundo a avaliação de economistas ouvidos pelo Estado.

“Os detalhes da proposta foram uma decepção”, diz o professor da Universidade de São Paulo Luís Eduardo Afonso. “No fim, o governo espera economizar R$ 10,45 bilhões em dez anos, após um pacote de concessões ao qual nenhum outro trabalhador teve direito. É uma reforma assimétrica, em que os demais trabalhadores vão ter de se esforçar muito mais pela saúde do sistema.”

Ele também avalia que o governo optou por não mexer em questões importantes, como a integralidade – com o militar saindo da ativa com a mesma renda de antes – e a contribuição para a inatividade. “A contribuição hoje é feita para as pensões. São questões importantes e, infelizmente, o DNA militar do governo parece ter pesado.”

O economista da Tendências Consultoria Fabio Klein avalia que a proposta já chega ao Congresso desidratada, o que deve fazer aumentar os custos para aprovação do conjunto da reforma da Previdência. “Haverá uma longa briga, que vai exigir forte papel de negociação e intermediação do presidente.”

Klein estima que dificilmente a previsão feita pelo governo, de economia de R$ 1 trilhão para o conjunto da reforma, será mantida. “O elevado grau de desidratação da proposta da reforma da previdência militar forçará o governo a flexibilizar as mudanças em outras frentes, o que resultará em razoável desidratação do impacto final.”

O professor da Universidade de Brasília (UnB) José Luis Oreiro diz acreditar que a proposta para os militares é ruim e concorda que o maior custo da reforma da Previdência vai ficar para servidores civis e trabalhadores da iniciativa privada. “O governo está querendo atropelar as discussões e tentando colocar todo o peso dos militares nos ombros dos servidores civis. Na proposta que foi apresentada ontem, os militares terão de contribuir mais, mas também terão aumento de salário. Nenhum outro trabalhador terá essa vantagem”, diz.

Já o diretor executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado, Felipe Salto, diz que a economia prevista na proposta de reestruturação do sistema de proteção social das Forças Armadas é “praticamente irrelevante” para a União. “Sobretudo, considerando que o déficit previdenciário total do País supera os três dígitos ao ano.”

Para ele, a calibragem das alíquotas e das idades mínimas deve ser o principal ponto a ser debatido pelos parlamentares, com possíveis alterações durante a tramitação da reforma. O projeto prevê que a contribuição dos militares passe a 10,5% a partir de 2022. “Essa alíquota de 10,5% prevista para os militares ficou baixa em relação à alíquota de 14% colocada para os servidores civis”, diz Salto.

Apesar de o mercado financeiro ter reagido mal à economia líquida de R$ 10,45 bilhões em dez anos, o especialista em contas públicas Raul Velloso aponta como positivo o saldo final do projeto. Para ele, é irrealista pensar que os militares, que têm um forte poder de influência no atual governo, não aproveitariam a negociação para resolver uma antiga reivindicação por reajuste salarial./

Proposta

“O grau de desidratação da proposta forçará o governo a flexibilizar as mudanças em outras frentes.”

Fabio Klein

ECONOMISTA DA TENDÊNCIAS

“A reforma é assimétrica, os demais trabalhadores vão se esforçar muito mais.”

Luís Eduardo Afonso

ECONOMISTA DA USP