Valor econômico, v.20, n.4775, 20/06/2019. Agronegócios, p. B12

 

Crédito a juros controlados perde R$ 36 bi no Plano Safra 

Cristiano Zaia 

Fabio Murakawa 

20/06/2019

 

 

A gestão de Jair Bolsonaro cumpriu o prometido e acelerou a mudança de perfil do crédito rural que o governo oferece aos produtores rurais do país. Anunciado ontem em Brasília, em cerimônia com a presença de um presidente feliz com o ainda inabalável apoio que tem do setor, o Plano Safra 2019/20 contempla linhas com, no total, R$ 222,7 bilhões, R$ 1,6 bilhão a mais que o da temporada 2018/19, mas reduz em R$ 36,3 bilhões o dinheiro disponível a juros controlados. São os recursos que terão que ser contratados a taxas livres, sobretudo os gerados a partir de emissões de Letras de Crédito do Agronegócio (LCA), que farão do próximo o maior Plano Safra da história.

Com a redução do montante disponível a juros controlados, iniciada na era Temer, sua participação no bolo total cairá para 66,5% na safra 2019/20, que terá início em 1º de julho, ante 83,5% em 2018/19. Esses recursos envolvem tanto aqueles cujos juros têm de ser subsidiados como os chamados obrigatórios (depósitos à vista). A redução de R$ 36,3 bilhões virá dos depósitos à vista, em linha com a queda de 34% para 30%, aprovada pelo Banco Central, do percentual que os bancos precisam direcionar de depósitos para o crédito rural. A medida já contribuiu para que os desembolsos de crédito baseados nessa fonte recuassem 41% nos 11 primeiros meses do ciclo 2018/19 9 (julho do ano passado e maio último), para R$ 29,5 bilhões.

    A estratégia atende à necessidade do governo de limitar os gastos do Tesouro com a equalização das taxas de juros do plano, que no ciclo 2018/19 alcançaram cerca de R$ 10 bilhões. E força que essa contenção de subsídios entre na conta dos grandes produtores, que têm mais condições de acessar fontes alternativas e para os quais o crédito rural oficial tem menor peso no "funding" total. Economistas como Alexandre Mendonça de Barros, da MB Agro, e referências como o ex-ministro Roberto Rodrigues aprovaram esse caminho em entrevistas recentes ao Valor.

    "Pela primeira vez, o Tesouro vai reservar quase R$ 5 bilhões para subsidiar o crédito dos pequenos", disse a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, na cerimônia de anúncio do novo Plano Safra. É mais da metade do que o governo projeta equalizar (R$ 9,8 bilhões), enquanto nesta temporada 2018/19 a participação deverá ficar em 44%. No caso da agricultura empresarial (médios e grandes produtores), portanto, a participação recuará de 56% para 49,5%. "O Plano Safra é bom para cada um de nós, ele é bom para o Brasil", discursou o presidente no fim do evento.

    Do montante total anunciado ontem - que chega a R$ 225,6 bilhões quando somados a verba de R$ 1 bilhão inicialmente reservados ao seguro rural e R$ 1,9 bilhão para apoio à comercialização -, R$ 169,3 bilhões irrigarão linhas de custeio, comercialização e industrialização. Os juros para grandes produtores (receita bruta anual de mais de R$ 2 milhões) serão de 8% ao ano, ante 7% em 2018/19, mas para os de médio porte (receita de R$ 360 mil a R$ 2 milhões) continuará em 6%. Para pequenos produtores também haverá alta, de 3% para 4,6% ao ano. As linhas de investimentos terão R$ 53,4 bilhões, com juros de 3% a 10,5%.

    Por meio das linhas do Pronaf, os pequenos produtores terão R$ 31,2 bilhões. No Pronamp, voltado aos médios, serão R$ 50,7 bilhões, ao passo que os grandes produtores terão R$ 69,1 bilhões em recursos com juros livres e R$ 55 bilhões oriundos de captações de Letras de Crédito do Agronegócio (LCA). No total, os financiamentos a juros livres contarão com R$ 74,3 bilhões em 2019/20, quase o dobro do valor de 2018/19.

    Como as LCA não contam com subsídios do governo, Tereza Cristina não arriscou estimar as taxas de juros dos empréstimos baseados nessa fonte. Atualmente, afirmou o secretário de Política Agrícola da Pasta, Eduardo Sampaio, essas operações estão com taxas entre 8,5% e 11% ao ano. Os bancos precisam direcionar 35% de suas emissões com LCA para o crédito rural. O Ministério da Agricultura pretendia ampliar o percentual para 50%, mas, segundo Sampaio, o nível atual deverá ser mantido.

    Principal linha de crédito subsidiado para investimentos, o Moderfrota, que financia a compra de máquinas agrícolas, terá juros entre 8,5% a 10,5% ao ano, ante a banda de 7,5% a 9,5% de 2018/19. A linha, que conta com recursos do BNDES, terá inicialmente R$ 9,6 bilhões na nova temporada, R$ 700 milhões a mais que em 2018/19. "Conversamos bastante com o setor e preferimos aumentar as taxas, mas garantir mais recursos para o Moderfrota. Os produtores não chegaram a se queixar", afirmou Sampaio.

    Segundo ele, se as linhas do Moderfrota tivessem tido uma alta de juros de 1 ponto percentual em 2018/19 na comparação com a temporada anterior, haveria mais dinheiro para atender à demanda crescente por tratores, colheitadeiras e outros equipamentos. Neste ciclo, as indústrias reclamaram que os recursos reservados para o Moderfrota foram insuficientes. As linhas de investimento em geral tiveram um aumento de 1 ponto em suas taxas de juros. Os juros do PCA, destinado à construção de armazéns, por exemplo, subiram de entre 5,25% e 6% para entre 6% e 7% em 2019/20.

    Entidades do setor minimizaram a alta de até 1 ponto percentual nas taxas de juros do novo Plano Safra e preferiram comemorar o volume de R$ 1 bilhão prometido para o programa de subsídios ao seguro rural. "Como vou comemorar aumento de juros? Mas tivemos outras medidas que vão ajudar, como o dinheiro para o seguro. Esse dinheiro sempre foi contingenciado, mas confiamos na ministra de que agora será diferente", afirmou ao Valor Fabrício Rosa, diretor-executivo da Aprosoja Brasil, que representa produtores de grãos.

    Além de também elogiar o reforço para o seguro, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) aprovou as fontes alternativas de recursos que estarão à disposição, como a emissão de Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA) em dólar. Para o vice-presidente da entidade, Roberto Simões, atrair investimento externo ajudará a fortalecer o "funding" do setor. "Era desejável que os juros fossem um pouco menores, porque a Selic anda baixa, mas reconhecemos que houve um esforço de não crescer muito e isso já é razoável", afirmou.

    O presidente da Organização das Cooperativas do Brasil (OCB), Márcio Freitas, avaliou que o volume global de recursos anunciados atenderá às "necessidades" de produtores e cooperativas. E disse que o seguro dará tranquilidade ao setor.