Valor econômico, v.20, n.4780, 27/06/2019. Política, p. A12

 

Passa projeto que define abuso de autoridade de juízes 

Renan Truffi 

Vandson Lima 

27/06/2019

 

 

O Senado aprovou ontem o projeto que trata das chamadas "10 medidas de combate à corrupção". A proposta era patrocinada inicialmente por integrantes da Operação Lava-Jato, mas foi substancialmente alterada durante a tramitação na Câmara dos Deputados e, agora, inclui artigos que tratam da responsabilização de magistrados e integrantes do Ministério Público pelo crime de abuso de autoridade. Como sofreu mudanças no Senado, a proposta retorna à Câmara dos Deputados.

A matéria estava parada no Congresso desde 2017, mas foi novamente trazida à pauta nas últimas semanas a pedido do próprio presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP).

O resgaste da proposta acontece em meio à divulgação de conversas entre o ex-juiz Sergio Moro, agora ministro da Justiça e Segurança Pública, e integrantes do Ministério Público Federal (MPF). Este contexto fez com que alguns senadores criticassem um suposto casuísmo. "Por mais méritos que tenha o projeto, não podem misturar os dois assuntos [medidas contra a corrupção e punições ao abuso de autoridade]. É como tentar misturar água e óleo. Votar isso nos dias de hoje é pedir para ser execrado pela opinião pública", apontou o senador Oriovisto Guimarães (Pode-PR).

Apesar das críticas, o relator do projeto, senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), negou que o Senado tenha a intenção de usar o projeto como uma resposta a Sergio Moro ou a integrantes do MPF. "Há uma lacuna no ordenamento jurídico brasileiro e a necessidade de fazer previsão dessas regras de ilegalidades praticadas por autoridades públicas", disse.

Pacheco explicou, por exemplo, que incluiu no texto a necessidade de comprovação de "dolo específico" para que fique caracterizado esse tipo de abuso por parte de juízes e procuradores. Seria uma forma de garantir que o Judiciário não seja alvo de ações apenas por exercer sua competência, o que exclui a possibilidade do crime de hermenêutica, ou seja, a responsabilização pela interpretação considerada equivocada da lei.

Ainda assim, associações de juízes e procuradores criticaram o conteúdo do texto por ser " impreciso e recheado de subjetividades".

Para a Frente Associativa da Magistratura e do Ministério Público, por exemplo, a proposta cria uma "mordaça". O termo faz referência a trecho do texto que trata como crime de abuso a possibilidade de magistrados e integrantes do Ministério Público darem entrevistas sobre processos em andamento.

Pacheco manteve essa impossibilidade para juízes no texto, mas suavizou a mesma regra para promotores e procuradores.

O senador do DEM fez concessão parecida no caso das chamadas "atuações desidiosas", quando um juiz ou promotor deixa de agir por negligência, desleixo ou desatenção. O texto aprovado na Câmara tratava esse tipo de conduta com natureza culposa, mas o relator disse que isso seria "incoerente" e, por isso, alterou o texto para que resultem apenas em "consequências meramente administrativas".

O relator também procurou enfatizar que recuperou um dos principais itens das chamadas "10 medidas", a chamada extinção de domínio.

Esse dispositivo permite que o juiz decrete, antes da condenação final do réu, a perda dos direitos de propriedade sobre bens e valores que sejam produto de infração.

No que se refere aos crimes de corrupção, a proposta também traz inovações em relação à compra de votos e o caixa dois eleitoral. Pela proposta, "negociar ou propor negociação ao eleitor, em troca de dinheiro ou qualquer vantagem, terá pena de reclusão de um a quatro anos e multa".

No caso do caixa dois, o projeto estabelece pena de reclusão de dois a cinco anos. Além disso, as penas serão aumentadas em até dois terços se os recursos forem provenientes de fontes ilícitas.

Outra novidade é que o texto inclui os tipos penais de corrupção e de peculato no rol dos crimes hediondos, "quando a vantagem ou o prejuízo para a administração pública for igual ou superior a dez mil salários mínimos vigentes à época do fato".