O Estado de São Paulo, n. 45809, 20/03/2019. Política, p. A8

 

Governo recua e muda decreto para cargo comissionado

Renato Onofre

Julia Lindner

20/03/2019

 

 

 Recorte capturado

 

 

Pressionado por partidos na Câmara, Planalto define que novos critérios para contratações vão valer até para quem já foi nomeado

Pressionado por líderes partidários da Câmara, o Palácio do Planalto cedeu ontem e decidiu alterar o decreto que estabelece exigências mínimas para o preenchimento de cargos no governo. A proposta, anunciada como uma agenda moralizadora pelo presidente Jair Bolsonaro, foi criticada por ignorar as nomeações já feitas pelo Planalto.

A avaliação no Congresso era de que a medida seria uma tentativa de perseguição à classe política no momento em que se discute uma maior participação de representantes de parlamentares no governo.

“Foi muito aplaudido o decreto, mas tem que valer para todos. Os líderes querem entender por que os que foram nomeados até ontem não precisavam cumprir o rito da Lei da Ficha Limpa e os que serão nomeados daqui para frente precisarão. Acho que todos precisam passar pelo mesmo filtro”, disse o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Conforme mostrou o Estado, o discurso oficial do governo é o de criar uma espécie de “banco de talentos” formado por indicações de parlamentares para preencher cargos nos ministérios e nos Estados. Os nomes levados aos articuladores políticos por deputados e senadores serão avaliados segundo estes critérios.

Dos 24 mil cargos de direção e assessoramento (DAS) e funções comissionadas (FCPEs) atingidos pela nova norma, cerca de 3,7 mil ainda estão vagos.

Após as reclamações, porém, o governo decidiu antecipar de maio – como estava inicialmente previsto – para janeiro deste ano a validade do decreto que exige critérios como idoneidade, formação e experiência para cargos comissionados em todos os órgãos do governo federal. Na prática, a medida faz com que os efeitos do decreto sejam retroativos e devem ser aplicados até mesmo para quem já foi nomeado.

Como o presidente Jair Bolsonaro estava fora do País ontem, em viagem aos Estados Unidos, as novas regras só devem ser publicadas hoje, em edição extra do Diário Oficial da União.

Pressão. A pressão dos parlamentares contra o decreto foi combinada em almoço de Maia com líderes da Casa ontem. Na conversa, os deputados relataram a insatisfação com a maneira que o governo está tratando as indicações políticas – o Estado revelou no sábado que entre as exigências estava a assinatura de um documento em que o parlamentar se comprometia com a indicação.

Durante o almoço, o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, ligou para Maia que, na frente dos parlamentares, falou da insatisfação do grupo sobre a medida. Eles ameaçavam, inclusive, derrubar o decreto por meio de um projeto.

Logo após o recado de Maia, a Casa Civil acionou as principais lideranças no Legislativo para tentar conter a insatisfação. Durante toda a tarde, governistas indicaram que o Palácio do Planalto recuaria. A líder do governo no Congresso, a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), minimizou as críticas e afirmou ao Estado que o governo “está ouvindo os pleitos dos parlamentares”.

Enquanto a mudança não era anunciada – o que acabou acontecendo só no início da noite –, parlamentares ocuparam a tribuna para criticar a medida.

“O decreto não vale para os ministros. Como se faz um decreto que se aplica ao DAS (servidores comissionados), mas não se aplica ao ministro? O DAS tem que ter reputação ilibada e idoneidade e o ministro não? Ele é menos relevante?”, questionou no plenário o deputado federal Daniel Coelho (PPS-PE). “Não podemos aceitar um decreto que venha depois que o governo já nomeou 70% dos seus cargos.”

De acordo com as novas regras, publicadas anteontem, não poderão exercer cargos no governo federal pessoas consideradas inelegíveis com base na Lei da Ficha Limpa. Em 2010, a Lei de Inelegibilidade foi alterada pela Ficha Limpa e passou a considerar inelegíveis por oito anos os condenados por crimes como corrupção, lavagem de dinheiro, abuso de autoridade e ocultação de bens.

'Filtro'

“Foi muito aplaudido o decreto, mas tem de valer para todos. (...) Acho que todos precisam passar pelo mesmo filtro.”

Rodrigo Maia

PRESIDENTE DA CÂMARA