Valor econômico, v. 20 , n. 4781 , 28/06/2019. Especial, p. F1

 

Questão de base

 

 

 

Jacilio Saraiva

28/06/2019

 

 

 

Fotos de Claudio Belli/ValorMaria Alice Setubal: indicador para subsidiar formuladores de políticas públicas

 

Um índice inédito que aponta, para cada município brasileiro, as diferenças de resultados dos estudantes, definidas por nível socioeconômico, raça e gênero. É o que promete o Indicador de Desigualdades e Aprendizagens (IDeA), lançado pela Fundação Tide Setubal e pesquisadores em educação. "Será um subsídio importante para formuladores de políticas públicas buscarem soluções para enfrentar o problema das diferenças nacionais no setor", diz a educadora Maria Alice (Neca) Setubal, presidente do conselho da Fundação Tide Setubal.

Em atividade desde 2006, a fundação é uma ONG familiar que fomenta iniciativas de justiça social e desenvolvimento sustentável em periferias urbanas. "Apoiamos a criação desse indicador porque ele ajuda a verificar se o direito à educação, previsto na Constituição, é garantido a todos", afirma. "Sabemos que hoje, de 20% a 40% das crianças brasileiras, dependendo da região onde moram, estão 'ficando para trás' no ensino. Temos de dar um sentido de urgência ao assunto."

O IDeA foi construído por uma equipe de pesquisadores que inclui José Francisco Soares, professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e membro do Conselho Nacional de Educação (CNE), além de especialistas em estatística, economia e educação da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

 

Claudio Belli / ValorMarlova Noleto, diretora da Unesco: justiça social relacionada à educação

 

Enfrentar as desigualdades na educação é um dos principais desafios de professores, dirigentes de instituições de ensino e gestores públicos, justifica Soares, que concebeu e liderou o desenvolvimento do indicador. Para ele, os altos e baixos do segmento não se resumem à infraestrutura de escolas públicas ou às curvas nas notas de avaliação de centros escolares em Estados ricos e pobres. Eles aparecem dentro da mesma sala de aula, entre alunos da mesma idade, diz. "E para estudar e combater essas diferenças, será preciso, cada vez mais, novas pesquisas e indicadores que mostrem alternativas para o avanço da educação."

O índice é baseado em dados públicos da Prova Brasil, de 2007 a 2015, e foi calculado para mais de 5,5 mil municípios brasileiros, com foco no ensino do 5º e 9º anos do fundamental, nas disciplinas de português e matemática. A Prova Brasil é uma avaliação em larga escala desenvolvida pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep/MEC), que analisa a qualidade do ensino oferecido pelo sistema educacional brasileiro, a partir de questionários socioeconômicos. Já o IDeA pretende verificar se, além de bons indicadores de aprendizado, o ensino em cada município reflete também igualdade em termos de raça, gênero e renda no aprendizado. Pode ser acessado, gratuitamente, no site portalidea.org.br.

Os números não são animadores. Apontam que menos de 1% dos municípios apresentam qualidade alta no aprendizado de língua portuguesa e matemática, acompanhada de equidade de nível socioeconômico, tanto para alunos do 5º quanto no 9º ano. No universo da educação, a equidade ocorre quando grupos de estudantes, definidos por qualquer critério social, têm a mesma medida de aprendizado.

De 20% a 40% das crianças brasileiras, dependendo da região onde moram, estão 'ficando para trás' no ensino" Maria Alice Setubal, presidente do conselho da Fundação Tide Setubal

Em relação ao 9º ano, o índice mostra que, entre as cinco regiões do país, quando consideradas diferenças socioeconômicas e de raça, há mais municípios com maior equidade no Norte e Nordeste, mas em situações de baixa aprendizagem na sala de aula. Nessas áreas, em quase todas as cidades, o desempenho dos meninos em matemática, por exemplo, é melhor do que o das meninas. Já no Sul e Sudeste, as estudantes têm uma melhor performance do que os colegas do sexo masculino.

O grupo de capitais com menores níveis de aprendizagem está mais concentrado no Norte e Nordeste, enquanto há mais cidades com alta absorção no Sul, Sudeste e Centro-Oeste. Teresina (PI), no entanto, é um destaque positivo no Nordeste, pois combina qualidade médio-alta de aprendizagem com uma posição de destaque entre os locais mais equitativos da região.

 

Claudio Belli / ValorSoares, da UFMG: combate às diferenças necessita de novas pesquisas

 

"Falar de justiça social é repetir sempre 'mais educação, mais educação'", reforça Marlova Jovchelovitch Noleto, diretora e representante no Brasil da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco). "Quando empunhamos um lema como 'Educação para todos', esse 'todos' inclui não só jovens negros e excluídos da esfera social, mas aqueles estudantes que conseguem chegar à escola e não conseguem aprender." A Unesco apoia a criação do novo indicador brasileiro.

O Relatório de Monitoramento Global da Educação (Relatório GEM), publicado pela entidade, destaca que o apoio financeiro mundial ao segmento totalizou US$ 13,2 bilhões em 2017, uma queda de 2% (US$ 288 milhões) em relação a 2016. Países como Alemanha, Estados Unidos e França, nessa ordem, lideram o ranking de doadores mas, desde 2009, o suporte ao setor praticamente estacionou, com um crescimento anual de 1%, em média.

Para a Unesco, esses números ameaçam o comprometimento mundial para alcançar o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) número quatro, que se refere à educação de qualidade. Um dos focos desse ODS é garantir que todas as crianças completem, até 2030, o ensino primário e secundário com "resultados de aprendizagem relevantes".

Educação para todos inclui não só jovens negros e excluídos, mas estudantes que estão na escola e não conseguem aprender" Marlova Jovchelovitch Noleto, diretora da Unesco

Os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável fazem parte de uma agenda adotada durante a Cúpula das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável, em 2015, composta de 17 objetivos e 169 metas a serem cumpridos nos próximos onze anos.

No ano passado, o Instituto de Estatística da Unesco (UIS, na sigla em inglês), a organização de desenvolvimento humano americana FHI 360, além de universidades como Oxford e Cambridge, também lançaram o "Manual para a medição da equidade da educação". O documento traz orientações práticas sobre o cálculo e a interpretação de indicadores sobre os grupos menos favorecidos no setor. Para isso, usa como base os sistemas educacionais nacionais de 75 países, inclusive o Brasil.

Juan Cruz Perusia, chefe de análise de dados do UIS, afirma que ainda é difícil medir a equidade na educação global porque não há um padrão universal para a deficiência de aprendizado e faltam dados para serem comparados. "Muitos países não têm estudos e há mais indicadores de acesso à escola do que sobre graus de aprendizagem", diz. Das 75 nações incluídas no manual da Unesco, 55% do total já incorporam variáveis sobre equidade em políticas nacionais de ensino.