Correio braziliense, n. 20443, 11/05/2019. Política, p. 2

 

Decreto de Bolsonaro em xeque no Supremo

Leonardo Cavalcanti

11/05/2019

 

 

Rosa Weber, ministra da Corte, dá prazo de cinco dias para presidente e Sérgio Moro apresentarem informações sobre o documento que libera o porte de armas para 20 categorias. Pareceres técnicos da Câmara e do Senado dizem que texto contraria Estatuto do Desarmamento

Apesar da disposição do presidente Jair Bolsonaro (PSL) em manter o decreto das armas, Judiciário e Legislativo iniciaram um movimento que põe em xeque o texto responsável por escancarar as autorizações de porte para 20 categorias. E é nessa ampla abertura para o acesso a revólveres e pistolas que está um dos pontos considerados ilegais do texto do Planalto, segundo as consultorias técnicas da Câmara e do Senado. Tais documentos levaram a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), a dar cinco dias para que Bolsonaro e o ministro da Justiça, Sérgio Moro, apresentem informações sobre o decreto.

Rosa Weber tomou a decisão com base em questionamento da Rede Sustentabilidade ao Supremo a partir de arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF). A ministra quer informações prévias antes de decidir sobre a liminar proposta pela legenda, que pede a suspensão do decreto antes mesmo do julgamento do mérito da ação. Na tarde de ontem, ao ser questionado sobre o prazo para a resposta, Bolsonaro disse que foi até o “limite da lei” no documento. “Estamos fazendo um bom debate quanto a isso, pode ter certeza. Estamos fazendo nada mais do que o povo quis em 2005, e nós fomos até o limite da lei.”
Na última quinta-feira, o porta-voz da Presidência, general Rêgo Barros, disse que a “decisão foi realizada”. “Quais outras modificações que venham a partir do próprio Congresso, o presidente vai analisá-las, mas não há, neste momento, nenhuma intenção de fazer qualquer que seja correção”, afirmou. Ontem, em Foz do Iguaçu (PR), Bolsonaro voltou a afirmar que não existe negociação. “Não tem que negociar. Se é inconstitucional, tem que deixar de existir. Quem vai dar a palavra final vai ser o plenário da Câmara ou a Justiça.”
Ilegalidade
Na prática, o decreto de Bolsonaro extrapola o poder do próprio decreto, que é o de regular uma lei, no caso a da nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003, mais conhecida como Estatuto do Desarmamento. “O § 1º do art. 10 (do Estatuto) exige que o pretendente ao porte de arma de fogo de uso permitido deve demonstrar, no caso concreto, a efetiva necessidade do porte em decorrência de exercício de atividade profissional de risco ou de ameaça à sua integridade física. Assim, o Estatuto do Desarmamento exige um exame individualizado, pela Polícia Federal, do pleiteante à autorização de arma de fogo de uso permitido”, diz um trecho de uma nota técnica feita por consultores do Senado a pedido da Rede.
A questão, segundo o trabalho técnico, é que, como o decreto foi publicado, o texto pode dar autorização de porte de armas para qualquer pessoa, entidade ou categoria. “Presumindo de forma absoluta que (essa pessoa) necessitaria de porte para o exercício da sua atividade profissional ou para a defesa da sua integridade física.” Na avaliação da consultoria do Senado, o Estatuto do Desarmamento é claro ao exigir que o requerente ao porte demonstre efetiva necessidade da arma de fogo para o exercício da atividade profissional de risco ou ameaça à integridade física. A partir do decreto, cerca de 20 milhões de pessoas podem estar aptas a adquirir armamento.
Contingente
Entre as categorias autorizadas a comprar uma arma estão políticos, agentes penitenciários e de trânsito, advogados, jornalistas (que trabalhem na cobertura policial), caminhoneiros e, entre outros, residentes em áreas rurais. A conta chega a 20 milhões de pessoas, segundo cálculos a partir de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e de entidades de classe. No caso dos trabalhadores rurais com mais de 25 anos — algo, inclusive, que o decreto não estabelece —, o número de eventuais compradores de uma arma pode chegar a 15 milhões. Com mais 1,4 milhão de integrantes das forças de segurança, incluindo policiais e vigilantes —, além de advogados, jornalistas, agentes de trânsito, advogados —, a conta vai longe. É justamente a falta de critério que pode derrubar na Justiça o decreto de Bolsonaro.

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Onyx acredita em aval do Congresso

11/05/2019

 

 

 

 

O ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, afirmou, ontem, acreditar que o Congresso não vai alterar o decreto editado pelo presidente Jair Bolsonaro que ampliou e facilitou o porte de armas de fogo no país para uma série de categorias. “No que depender da minha conversa com o presidente Rodrigo Maia, (da Câmara) não vai cair nada, porque o decreto foi solidamente construído e o que tem entre o decreto e algumas interpretações, que eu respeito, é mediado por ideologia”, disse, em entrevista concedida à Rádio Gaúcha.

Pareceres elaborados por técnicos da Câmara e do Senado mostram que o decreto é ilegal, porque vai de encontro a leis, como o Estatuto do Desarmamento. Segundo essas análises, as mudanças só poderiam ocorrer se fossem feitas por nova legislação. Juristas, entidades do terceiro setor e partidos políticos de oposição já haviam feito esse alerta.
Maia também afirmou, na quinta-feira, que encontrou “algumas inconstitucionalidades” no decreto e que poderá colocar em votação projetos de decreto legislativo, os quais podem sustar os efeitos do decreto presidencial. Para o parlamentar, o governo invadiu atribuições do Poder Legislativo. Em resposta, também na quinta, o porta-voz da Presidência, Otávio Rêgo Barros, afirmou que o governo não tem intenção de modificar o conteúdo do decreto.
Questionado sobre quais seriam as inconstitucionalidades mencionadas por Maia, Onyx afirmou que elas estão apenas na “discussão teórica do poder de regulamentar do presidente”. “Só isso. Do ponto de vista do corpo jurídico do poder Executivo, há uma unanimidade de que isso está dentro das competências do presidente”, frisou.
Onyx ressaltou ainda não defender que as pessoas andem armadas na rua, mas que esse deve ser um direito que elas poderão exercer “desde que tenham um preparo especial e o Brasil continue exigindo isso”. O ministro afirmou também que o país possui cerca de 1 milhão de armas regularizadas e que cerca de 9 milhões estão em situação irregular na casa das pessoas. Na visão dele, os ex-presidentes recentes não cumpriram a vontade da população e desarmaram as pessoas com objetivo de enfraquecer a capacidade de defesa dos cidadãos.
Perguntado sobre a possibilidade de pessoas que forem presas com armas ilegais terem suas penas diminuídas, Onyx destacou que essa questão não preocupa o governo, porque “as armas de traficantes e bandidos são raspadas” e, nesse caso, seriam enquadrados em outra legislação, não contemplada pelo decreto.