Correio braziliense, n. 20443, 11/05/2019. Opinião, p. 9

 

Licenciamento ambiental é obra inacabada

Milton Steagall

11/05/2019

 

 

Os últimos desastres com barragens ocorridos no Brasil acenderam a necessidade de discutir o aperfeiçoamento e a modernização dos processos de licenciamento ambiental. Trata-se de debate que não pode mais ser postergado. É preciso evitar que os procedimentos de licenciamento ambiental se arrastem por anos a fio devido ao excesso de burocracia, retardando ou mesmo impedindo a implantação de empreendimentos estratégicos, especialmente na área de energia.

Não há dúvidas de que se trata de questão complexa, que envolve direitos e interesses econômicos de diversos setores da sociedade, muitas vezes conflitantes, mas que precisa ser enfrentada sob pena de continuar prejudicando a competitividade brasileira. Estudo feito pelo Instituto Acende Brasil, com base em informações de cerca de 70 hidrelétricas, mostra que o custo ambiental responde por aproximadamente 20% do investimento do empreendimento. O custo sobe mais 20% com demandas não previstas inicialmente referentes às despesas socioambientais.

A exigência de apresentação de estudo de impacto ambiental “para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente” está prevista no artigo 225 da Constituição de 1988, mas, como a questão nunca chegou a ser regulamentada pelo Congresso ao longo dos últimos 30 anos, prevalece a regulamentação de 1986, de âmbito federal, do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), subordinado ao Ministério do Meio Ambiente.

A Resolução do Conama nº 1 estabelece no artigo 2º que as “atividades modificadoras do meio ambiente” precisam de estudo do EIA-Rima (Estudo e Relatório de Impacto Ambiental). Essa mesma resolução estabelece que qualquer termoelétrica com potência igual ou superior a 10 MW é considerada empreendimento capaz de causar “impactos ambientais significativos” e só pode ser instalada após a realização de EIA-Rima. Essa norma, portanto, tem força de lei e deve ser respeitada por todos os entes federativos.

Numa única oportunidade, em 2001, durante a crise energética brasileira, a resolução foi flexibilizada, mas, ainda assim, por curto período de tempo, 60 dias. Naquela ocasião, a Medida Provisória 2.152-2 permitiu ao Conama simplificar o licenciamento para empreendimentos energéticos de pequeno potencial ambiental, caso das usinas eólicas e outras fontes alternativas de energia, sem a exigência do EIA-Rima.

Nos últimos anos, contudo, a legislação ambiental que trata do assunto tem tido interpretações diversas, muitas vezes até dispensando o empreendimento de todas as etapas exigidas, incluindo o EIA-Rima. Com isso, temos visto no país dois pesos e duas medidas. Para que o processo de licenciamento seja justo e não gere distorções, é importante que a legislação vigente seja cumprida, sem exceções.

Não há dúvidas quanto à necessidade de simplificar e modernizar o processo, reduzindo o número de licenças, por exemplo, mas sempre tendo em vista que a lei se aplica a todos. O aperfeiçoamento do processo de licenciamento ambiental é particularmente importante para a geração de energia em sistemas isolados, dado que grande parte das usinas está localizada em regiões próximas a terras e comunidades indígenas (Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Amapá e Pará, além de Boa Vista, a única capital atendida de forma isolada). Nesses casos, adiciona-se ao processo mais um ator: a Funai.

Como todas as questões relacionadas ao licenciamento ambiental são cercadas de polêmicas, com a transferência das atribuições da Funai para o Ministério da Agricultura não está sendo diferente. Na visão da Procuradoria Geral da República e do Ministério Público Federal, a medida fere princípios constitucionais, avaliação que encontra respaldo na Frente Parlamentar Ambientalista, que elegeu como prioridade o licenciamento ambiental. Como se vê, são muitos os desafios a serem enfrentados, muitas etapas a serem cumpridas e prazos a serem aguardados.

Segundo o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), há hoje 237 localidades isoladas no Brasil. É fundamental ter uma legislação ágil e eficaz para empreendimentos localizados em áreas próximas a comunidades indígenas, mas sem correr os riscos de judicialização, que provoca insegurança jurídica.

Não se justificam os atrasos e o excesso de burocracia que cercam a liberação de empreendimentos que têm como finalidade o desenvolvimento brasileiro. (...)

» Milton Steagall

Presidente da Brasil BioFuels