Correio braziliense, n. 20444, 12/05/2019. Política, p. 2

 

Ataques unem militares

Rodolfo Costa

Leonardo Cavalcanti

12/05/2019

 

 

Governo » Doutrina dos integrantes das Forças Armadas não prevê abandono de missão. Para especialistas, apesar das divergências com Olavo de Carvalho e os filhos do presidente, representantes das Forças Armadas continuarão em suas funções

É mais fácil o presidente Jair Bolsonaro (PSL) deixar o barco do que os militares o abandonarem. É a partir dessa lógica que os integrantes das Forças Armadas se movimentam dentro do governo, onde qualquer ameaça de desembarque é vista como traição dentro da própria caserna. Assim, na prática, por mais tensa que a relação com o “guru” Olavo de Carvalho e com os filhos do capitão reformado possa se mostrar, as chances de um “meia volta, volver” são mínimas, por maior que possa se desenhar a crise. A presença do vice Hamilton Mourão é mais um dos motivos para a manutenção coesa do grupo. Assim, voltamos ao início do texto: é mais fácil Bolsonaro sair do que os generais deixarem o governo.

“Entre os militares, o abandono de uma missão é uma das coisas mais sérias que pode ocorrer. É visto como uma traição, e a traição é o pior dos atos de um integrante das Forças”, disse um oficial de alta patente com trânsito na Esplanada dos Ministérios. Por mais que possa ter ocorrido um ou outro arrependimento, os generais deverão permanecer — no máximo, para cada eventual saída, uma troca, com um número parecido com o de estrelas na farda. “Os militares entraram num beco sem saída”, analisa Antônio Augusto de Queiroz, diretor de documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap). “O desgaste para as Forças é, evidentemente, por causa do tamanho do embarque. Mas agora não cabe mais o recuo”, emenda o especialista, que entende como poucos o jogo político de Brasília.

Não há chances de os militares abandonarem o governo. Em entrevista na quarta-feira ao CB.Poder, uma parceria entre o Correio e a TV Brasília, a deputada Carla Zambelli destacou que os oficiais encaram o governo como uma missão. “Se o Bolsonaro disse ‘fiquem’, eles vão ficar. Não se discute ordem, se cumpre”, afirmou. De certa forma, os olavistas — na impossibilidade de a caserna sair do governo — se apoiam nisso para estressar a relação com os generais. E quando atacam, falam de nomes específicos, tentando preservar as Forças Armadas. O general Eduardo Villas Bôas, ex-comandante do Exército, percebeu tal movimento e deixou claro que os ataques de Olavo eram contra a instituição. O comportamento de Bolsonaro, incapaz de fazer uma defesa contundente a favor dos militares, desagrada generais como Paulo Chagas, candidato a governador do Distrito Federal no último pleito, que observam o comportamento com apreensão.

O primeiro militar com respeito na tropa a assumir Bolsonaro como um candidato com potencial para vencer as eleições foi o atual chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno. O militar chancelou o capitão reformado no Exército, ampliando pouco a pouco o número de apoiadores dentro da caserna, algo proporcional à própria força de Bolsonaro nas ruas. Até agosto do ano passado, entretanto, havia uma preocupação dentro das Forças Armadas com a aproximação com o candidato, por causa da imagem das Forças. À medida que a campanha foi se tornando favorita, parte dos generais assumiu de vez o discurso. Com a vitória e a posse, a simbiose se completou. “Por isso, agora é quase impossível o abandono. Se a crise aumentar em proporções gigantescas, é mais fácil Bolsonaro cair. Os militares estarão com Mourão”, afirma Queiroz.

A leitura do diretor do Diap é precisa dentro da alta cúpula militar. Interlocutores e ministros ligados às Forças Armadas conversaram com o presidente depois dos recentes ataques de Olavo. Nada semelhante a um comitê de crise para lavar roupa suja. Foram diálogos sutis para saber o posicionamento dele. De pronta resposta, receberam afagos. Bolsonaro manifestou a intenção de continuar contando com o apoio deles e o desejo de que a “página seja virada”. A verdade é que os ataques do ideólogo do capitão reformado uniram ainda mais os militares.

Unidade

Ao longo dos 100 primeiros dias de governos, Mourão expressou, por vezes, posições desalinhadas do discurso da Presidência da República, avaliam os próprios militares. As falas foram notadas pelo Congresso como uma leitura de alguém que queria se posicionar de forma mais equilibrada que o presidente, uma espécie de tutelador. O sentimento foi igualmente perceptível entre oficiais das Forças Armadas na Esplanada, que atuaram para evitar o desencontro de informações. A unicidade do discurso começou, então, a ser mais perceptível depois dos atritos com o escritor.

Os militares estão ainda mais unidos e farão de tudo para solucionar crises e evitar que Bolsonaro caia. Entretanto, em uma situação de hecatombe política em que não haja mais como contornar um problema em “proporções gigantescas”, como sugere Queiroz, ficarão com Mourão. Os oficiais não falam isso abertamente e não são apegados a cargos, mas a visão de Estado a longo prazo os faria permanecer ao lado do vice e evitar a descontinuidade de políticas públicas.

Embora não tenha defendido pública e enfaticamente os militares, o presidente fez questão de dar força a eles na guerra com Olavo indicando o contra-almirante Ricardo Segovia Barbosa para a Presidência da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil), o braço da política comercial do Itamaraty, chefiado pelo ministro olavista Ernesto Araújo. Na sexta, o oficial da Marinha indicou outro membro da Força, o vice-almirante Edervaldo Teixeira de Abreu Filho para a diretoria de Gestão Corporativa. “Bolsonaro sabe que o único grupo que o segura no poder é dos militares”, analisa um ministro.

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Confiança do Centrão

12/05/2019

 

 

 

 

Dentro do Congresso, a avaliação de lideranças do Centrão é de que “os militares são essenciais ao governo”. Até hoje, os líderes desconfiam do comando do Palácio do Planalto por conta da continuidade de uma articulação política sem a abertura de diálogo por indicações nos estados. É algo que vem incomodando muito os congressistas, uma vez que o apadrinhamento de aliados é uma forma de fortalecimento dos parlamentares em suas respectivas bases eleitorais. Com as eleições municipais a caminho, estão sem mecanismos para se fortalecer em suas regiões.

A articulação feita pelos militares, sobretudo pelo ministro-chefe da Secretaria de Governo, Santos Cruz, tem agradado os parlamentares. Dizem que, diferentemente do ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, o general não prioriza pessoas próximas, fiéis ou da alta cúpula dos partidos. “Para muitos do Centrão, ele é, de fato, o articulador do governo. Ele não conversa apenas com o próprio entorno político, mas com todos. O problema é que, no fim das contas, não é ele que tem a caneta para nomear”, critica um líder de partido do bloco político. Na quinta-feira, Santos Cruz organizou um café da manhã com a presença de cerca de 40 deputados do “baixo clero”, acompanhado de Bolsonaro.

Também é Santos Cruz o responsável direto pela articulação com os governadores. Na mesma sexta-feira, uniu Bolsonaro e gestores estaduais do Nordeste, região controlada majoritariamente pela oposição. Participaram do encontro oito governadores e um vice-governador. Na segunda, esteve com o governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), em São Gabriel da Cachoeira (AM). Na última semana, participou de uma reunião com o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), no Planalto. (LC e RC)

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A charada do "tsunami"

Luiz Carlos Azedo

12/05/2019

 

 

O presidente Jair Bolsonaro sempre cria uma polêmica ou gera um grande suspense quando participa de eventos ou concede entrevistas tipo “quebra-queixo” (aquelas improvisadas, nas quais é cercado por repórteres e fotógrafos). Dessa vez, foi na saída de um evento da Caixa Econômica Federal (CEF), na sexta-feira, ao comentar as derrotas do governo na comissão especial da Câmara que examinou a reforma administrativa de seu governo. Enigmaticamente, declarou: “Sim, talvez tenha um tsunami na semana que vem. Mas a gente vence esse obstáculo com toda certeza. Somos humanos, alguns erram, uns erros são imperdoáveis, outros, não.” É uma charada.

O que será esse tsunami? Pode ser uma rebordosa de alguma medida já tomada, como o corte de verbas das universidades, que está provocando grandes manifestações de protesto de estudantes, professores, funcionários e pais de alunos, ou o espanto causado, entre os defensores dos direitos humanos e autoridades do setor de segurança pública, pela liberação do porte de armas para cerca de 20 categorias profissionais, como advogados e caminhoneiros, e praticantes de tiro ao alvo. Será que vem por aí uma nova greve de caminhoneiros, um dos segmentos de sua base eleitoral?

Pode ser também alguma coisa ligada ao evento em si, como anunciar a venda dos ativos da Caixa Econômica Federal (CEF), cujas atividades ficariam restritas ao financiamento imobiliário, como pretende o secretário das Privatizações, Salim Mattar. Na quarta-feira, em fala aos jornalistas após a primeira reunião do Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), Mattar afirmou que é mais fácil para o governo vender participações em empresas, cujo prazo para conclusão do processo varia de 60 a 90 dias, do que a preparação de uma companhia estatal para venda, que demora de seis meses a um ano e meio, de forma a cumprir a legislação e as exigências dos órgãos de controle.

“Desinvestimentos acontecerão mais cedo, mas as privatizações vão acontecer. É uma questão de ajuste”, disse Mattar. Comparou os primeiros meses de gestão à preparação de uma orquestra sinfônica. “Nesses quatro meses de governo, estamos ensaiando para fazer essa orquestra funcionar, e vai funcionar”. Traduzindo, significa fazer uma lipoaspiração nas empresas estatais e mesmo na administração direta, vendendo ativos públicos, como no caso já citado da Caixa Econômica Federal (CEF). O governo planeja, por exemplo, focar o Banco do Brasil no crédito rural e a Petrobras, na exploração de Petróleo, desfazendo-se de outras atividades. Além disso, quer vender milhares de imóveis do patrimônio da União pelo país afora, começando pelos parques nacionais, santuários da nossa natureza.

Fricção política

A agenda do governo está mesmo repletas de temas polêmicos. “Na reforma da Previdência eu deixei mesmo o clima de Fla-Flu. É tudo ou nada”, declarou o ministro da Economia, Paulo Guedes, sexta-feira, no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), durante o 31º Fórum Nacional, promovido pelo Instituto Nacional de Altos Estudos (Inae), no centro do Rio, para debater Previdência e macroeconomia. Ao reiterar a urgência das mudanças previdenciárias, o ministro voltou a falar que o governo Temer deu um passo à frente rumo ao equilíbrio fiscal ao estabelecer um teto de gastos, mas não ergueu “paredes” para segurá-lo. Por isso a urgência da reforma da Previdência”.

Voltemos à charada de Bolsonaro? Afora essas agendas, os três temas de muita fricção do momento são a crise na Venezuela, que deu uma desanuviada com a reabertura da fronteira em Roraima; o estresse com os militares, por causa do controle da política de comunicação do governo pelo ministro Santos Cruz, da Secretaria de Governo; e a Operação Lava-Jato, cuja força tarefa costuma retaliar os políticos sempre que seus objetivos são contrariados. As derrotas sofridas pelo ministro da Justiça, Sérgio Moro, na comissão especial da reforma administrativa, foram impostas por políticos que estão sendo investigados. Com a volta do ex-presidente Michel Temer à prisão, o julgamento do seu habeas corpus na próxima terça-feira, pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), exacerbará essas tensões.

Uma coisa é certa: Bolsonaro está firmemente decidido a promover uma guinada conservadora em relação aos costumes e às políticas públicas, em todas as áreas. Seus eleitores querem um estado capaz de manter a ordem, mas desprezam a política, os políticos e os partidos. É uma contradição: como ter um Estado mais eficiente, ou seja, que cumpra suas finalidades, e renegar os meios oferecidos pela democracia para que isso ocorra: o sistema político? Na democracia, é impossível; a dificuldade da democracia representativa hoje é essa, no mundo inteiro.