Valor econômico, v.20, n.4780, 27/06/2019. Especial, p. A20

 

Reforma tributária divide setor produtivo 

Marta Watanabe 

27/06/2019

 

 

A necessidade de uma reforma tributária é uma unanimidade no setor produtivo e muitos são os pontos em comum defendidos entre os diversos segmentos. As prioridades, porém, são distintas.

Defendida pela equipe econômica do governo federal, a eliminação da contribuição previdenciária sobre folha é considerada bem-vinda por todos, Para o setor de serviços, ela é considerada prioridade e ponto inicial para qualquer outra mudança. Para a indústria, porém, o foco maior está no projeto que tramita no Legislativo, encaminhado pelo deputado Baleia Rossi (MDB-SP). Baseada na tributação de bens e serviços, a proposta inclui Estados e municípios e promete transformar o ICMS, considerado o pior imposto do sistema tributário por vários segmentos industriais.

Atualmente são duas as propostas consideradas à mesa na seara tributária. Uma delas é a do governo federal, que ainda não apresentou projeto formal, mas tem divulgado as diretrizes das mudanças. Entre elas, a unificação dos tributos federais IPI, PIS e Cofins, além da desoneração da contribuição previdenciária sobre folha, cuja receita seria substituída por uma arrecadação sobre movimentação financeira.

O outro projeto - PEC 45, que tramita no Legislativo -, baseia-se em proposta do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF). Ela estabelece a unificação dos tributos federais PIS, Cofins e IPI ao ICMS estadual e ao ISS municipal. Unificados, os cinco tributos dariam origem ao Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), com cobrança no destino, crédito financeiro e alíquota unificada. A proposta prevê transição de dez anos para os contribuintes e 50 anos para Estados e municípios.

Luigi Nese, vice-presidente da Confederação Nacional de Serviços (CNS), defende que a desoneração de folha de salários seja realizada antes de qualquer mudança na tributação de bens e serviços. "Sem a desoneração de folha fica difícil apoiar a proposta que na tramita no Congresso."

Nese lembra que a CNS defende há vários anos uma mudança no sentido de substituir ao menos parte da cobrança de contribuição previdenciária sobre folha por um recolhimento sobre movimentação financeira, num projeto muito semelhante às medidas já mencionadas pelo secretário especial da Receita Federal, Marcos Cintra. A mudança na tributação sobre consumo, no projeto que tramita no Legislativo, deve elevar a carga do setor de serviços, diz Nese. "Por isso, é preciso que haja antes uma desoneração sobre a folha para que o setor de serviços possa avaliar o projeto do IBS. No mundo inteiro é o setor de serviços que emprega cada vez mais", argumenta.

A expectativa, diz Nese, é de que logo após a aprovação da reforma previdenciária, o governo federal apresente a proposta de reforma tributária contendo a desoneração de folha.

Para André Rebelo, assessor de assuntos estratégicos da presidência da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), será preciso escolher entre fazer uma reforma mais abrangente, que contemple mais tributos, que é a do Executivo, ou uma mais profunda na tributação de bens e serviços, que é a que tramita no Legislativo.

"Isso terá que passar pelo Congresso para ser discutido", diz Rebelo. "A proposta do governo federal é mais abrangente, mas não mexe com Estados e municípios, o que é ruim para o setor produtivo." Do ponto de vista das indústrias, explica ele, o imposto que mais causa problemas é o ICMS, recolhido pelos Estados. "É o que mais arrecada e é o combustível da guerra fiscal. O setor produtivo espera o fim disso, porque a guerra fiscal distorce muito as decisões empresariais."

A proposta do CCiF, diz Rebelo, é considerada interessante, embora haja preocupação em relação à calibragem de alíquotas e também às discussões que podem ser geradas com a proposta de alíquotas uniformes. O período de transição de dez anos para os contribuintes também é considerado longo demais, explica Rebelo. De qualquer forma, diz, é considerado um projeto consistente e factível de ser aprovado ainda este ano, durante o segundo semestre. "Sobretudo se a comissão especial for formada antes do recesso, conforme tem sido indicado", diz ele.

Fazer uma reforma tributária é sempre difícil, mas pela complexidade do atual sistema e do ônus que causa, entendemos que ela deve ser feita numa pancada só, defende Hiroyuki Sato, diretor executivo e responsável pela área tributária da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas Equipamentos (Abimaq). "Assim sentimos a dor de uma vez, mas depois passa."

Segundo Sato, a entidade considera viável a aprovação do projeto de reforma tributária ainda este ano. Eventual resistência de Estados e municípios preocupa, diz ele, mas ele acha que os entes federados aceitarão a reforma. "Eles não têm outro caminho. Precisam da reforma para ter receitas e melhorar sua situação."

Para Sato, a reforma que o governo federal tem defendido, que inclui a unificação de tributos federais, como IPI, PIS e Cofins, sem contemplar ICMS ou ISS, é uma mudança parcial. Para Sato, se houver uma reforma apenas com tributos federais, a "segunda parte", que incluiria Estados e municípios, irá demorar para se efetivar. "Isso vai acabar se arrastando por muito tempo e a dificuldade não vai terminar. Vamos levar nisso dez ou quinze anos." Segundo ele, a reforma previdenciária e a tributária são a chave para que o Brasil possa reativar economia. "Do contrário ficaremos nesse marasmo."

Fernando Pimentel, presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), também avalia que o melhor caminho é uma reforma tributária que abarque todos os entes da federação. Ele diz, porém, que a discussão sobre a reforma no âmbito dos Estados, com o impacto a cada ente, é um "caminho tortuoso" e foi um obstáculo à discussão do assunto em períodos anteriores.

Em razão dessa dificuldade, avalia Pimentel, o governo federal tem colocado uma mudança somente nos tributos federais, mas que estaria em linha com o que está no Congresso, deixando o caminho para as adesões posteriores de Estados e municípios. Mas caso governo federal encaminhe a proposta e se vote pela unificação dos tributos federais primeiramente, defende ele, é preciso que a inclusão do ICMS e do ISS não seja deixada de lado e continue tramitando.

José Ricardo Roriz Coelho, presidente da Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast), tem opinião semelhante. Dentre as reformas tributárias em discussão, diz a proposta do governo federal é mais simples por envolver apenas tributos federais. "Pela sua simplicidade relativa, sua tramitação pode acontecer mais rapidamente, com mais chances de ser aprovada no curto prazo", diz.

A unificação dos tributos federais, diz, seria um laboratório para a alteração que se discute no Legislativo envolvendo Estados e municípios e depois poderia ter a adesão dos governos regionais. Para Roriz, a proposta do governo federal tem mais chances de ser aprovada ainda este ano.

A aprovação de uma reforma nos moldes do que vem sendo defendido pelo governo federal, porém, diz Roriz, não pode parar a discussão da reforma tributária que está no Legislativo e que propõe mudanças envolvendo Estados e municípios. "Para as empresas, o imposto mais complicado hoje é o ICMS. É preciso uma reforma de todo o sistema tributário e essa proposta vem sendo discutida há muito tempo. O que torna ela mais difícil de ser aprovada é o impacto que pode trazer do ponto de vista de Estados e municípios."

As indústrias, também veem com bons olhos, destaca Roriz, a parte da proposta do governo federal que estabelece a eliminação da contribuição previdenciária sobre folha de salários, o que reduziria carga tributária sobre produção. No caso da indústria de confecção, mais intensiva em mão de obra, essa medida seria muito interessante, diz Pimentel, da Abit. No segmento têxtil também seria importante, embora com repercussão menor. "O que pode gerar controvérsias em relação a isso é que a proposta divulgada pelo governo inclui compensar essa arrecadação com um tributação sobre movimentação financeira que lembra a CPMF e há preocupação da distribuição dessa carga entre os setores."