Valor econômico, v.20, n.4770, 12/06/2019. Brasil, p. A2

 

ICC vê 'onda' comercial em meio ao cenário protecionista 

Rodrigo Carro 

12/06/2019

 

 

Longe de estar isolado por uma maré de protecionismo global, o Brasil está em companhia de outros países que caminham na direção de abrir suas economias. A lista inclui Austrália, Canadá, Nova Zelândia, Cingapura e nações da região da Ásia-Pacífico, incluindo o Chile, afirma John Denton, presidente da International Chamber of Commerce (ICC), organização empresarial que engloba 45 milhões de empresas em mais de cem países.

"O Brasil não está sozinho. Há muitos e muitos países no mundo que continuarão a argumentar a favor disso [da abertura comercial]", disse ao Valor o australiano, membro do comitê global de infraestrutura do Fundo Monetário Internacional (FMI). A ICC atua como porta-voz das empresas junto às Nações Unidas, à Organização Mundial de Comércio (OMC) e ao G-20. Na prática, procura influenciar o desenvolvimento de políticas, a criação de regras e o estabelecimento de padrões universalmente utilizados no comércio internacional.

Num cenário global sob pressão da guerra comercial entre Estados Unidos e China, o australiano faz a mesma recomendação tanto para o Brasil como para outras nações em desenvolvimento. "O único partido que eles devem tomar é o de realmente apoiar a preservação de um sistema de comércio multilateral existente", aconselhou. Apoiar qualquer um dos dois lados, pode levar a acordos comerciais fechados fora desse sistema, em que todas as partes são tratadas de forma igual, argumenta o presidente da ICC.

Interlocutor do ministro da Economia, Paulo Guedes, no Fórum Econômico Mundial, de Davos, Denton espera do Brasil uma "forte declaração" ao G-20 em apoio ao sistema multilateral de comércio vigente, em nome inclusive de outros países em desenvolvimento.

A assinatura de um acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia é vista pelo australiano como uma possibilidade mais factível no médio e no longo prazo, devido às complexidades envolvidas. Como exemplo, ele cita o acordo de livre-comércio entre o Canadá e a União Europeia, que apesar das negociações complexas chegou a ser ameaçado pela oposição da região belga da Valônia ao tratado.

"Pelo que conheço do Mercosul, ainda há um caminho a percorrer antes deles [os países] alinharem seus mercados internos às expectativas da União Europeia", disse o presidente da ICC. "Uma coisa é certa: a União Europeia não vai entrar num acordo a menos que seja o que chamamos de um acordo de alto nível, compatível com [as regras] da Organização Mundial do Comércio, com algumas exceções talvez."

Apesar de defender o sistema de comércio multilateral, Denton reconheceu a necessidade de reforma da OMC. Criada em 1995, a organização não levou em consideração em seu processo de constituição um elemento hoje essencial no comércio mundial - a internet. O acesso à rede mundial começou a ser oferecido comercialmente em larga escala apenas no fim de 1995, lembrou ele, o que impossibilitou as discussões a respeito do comércio eletrônico e da economia digital.

Outro ponto destacado por Denton é o fato de o sistema representado pela OMC não ter evoluído para se adaptar às características de economias importantes, como a da China, que não se encaixam nos padrões imaginados para os países-membros da organização em 1995. O país passou a integrar a OMC em 2001. "Incluir a China significou [na época] aceitar que ela não era capaz de alinhar sua economia de planejamento centralizado, com subsídios estatais, às expectativas reais de como um sistema de comércio multilateral baseado em forças de mercado iria operar", resumiu ele, frisando que as mudanças esperadas na economia chinesa não se concretizaram.

Um terceiro fator que reforça a necessidade de reforma da OMC é o deslocamento relevante do poder econômico do hemisfério Norte para o Sul, especialmente para a região da Ásia-Pacífico, concluiu.