Valor econômico, v. 20 , n. 4781 , 28/06/2019. junho, p. F2

 

Acesso ao ensino promove senso crítico e crescimento econômico

 

 

 

Roseli Loturco 

28/06/2019

 

 

 

A educação é a variável mais importante para uma sociedade se desenvolver: gera justiça social, crescimento econômico, cuidados com o ambiente e senso crítico na hora do voto. Programas públicos de inclusão, como o Bolsa Família, são importantes até para levar as crianças à escola. Essas são conclusões de estudos comparativos de desenvolvimento humano, geração e concentração de riqueza entre os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), emergentes, asiáticos e da América Latina feitos pelo professor Naercio Menezes Filho, titular da Cátedra Ruth Cardoso do Insper e professor associado da Universidade de São Paulo.

 

"O problema é que a qualidade da educação no Brasil é péssima, especialmente nas escolas públicas. E se a educação só melhora para quem é rico, essa desigualdade só se acentua", diz Menezes. E os números mostram isso: 50% das pessoas mais pobres na Europa ganham em média € 14 mil por ano, no Brasil não chegam a € 2,5 mil. Já a diferença entre 1% dos brasileiros mais ricos e 50% mais pobres é de 102 vezes enquanto na Europa é de 29 vezes, segundo dados de 2018.

"Isso nos leva a crer que o sucesso depende de onde você nasceu. É a loteria da vida", diz o professor. Mas os números já foram piores. Em 1990, 25% das crianças de zero a nove anos no país eram classificadas como extremamente pobres. Em 2017, esse índice caiu para 5% por conta de programas como o Bolsa Família, Seguro Desemprego e Benefício de Prestação Continuada (BPC).

 

 

Já na educação, políticas como o Programa Universidade para Todos (Prouni), Financiamento Estudantil (Fies) e de cotas raciais e sociais são consideradas a base para o progresso de inclusão no ensino superior. O percentual de adultos que concluíram a universidade saltou de 6%, em 1991, para 17% em 2018. Em 1992, os negros saíram de uma representatividade de 1% nesse contexto, para 16,3% no ano passado. O que se refletiu em uma melhora do índice de Gini, usado para medir a desigualdade social, que caiu de 0,60, em 1995, para 0,52, em 2014.

O nível do aprendizado geral, no entanto, piorou. O que indica que o Brasil está garantindo mais acesso ao ensino, porém de baixa qualidade. Basta avaliar os resultados dos jovens de 15 anos no Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), de 2015: os brasileiros ficaram atrás não só dos países desenvolvidos, mas também de seis vizinhos da América Latina - 70% pontuaram abaixo do nível 2, considerado como o mínimo. "A única forma de melhorar isso é criando igualdade de oportunidades. Tem que investir na primeira infância, mesmo antes de entrar na escola, dando habilidades vocacional, emocional e cognitiva", diz.

O caso da cidade de Sobral, no Ceará, mostra que essa fórmula de fato funciona. Lá, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), que era de 4 em 2005 saltou para 9,1 em 2017, passando as redes de ensino de São Paulo e se consolidando como o melhor do país. Como resultado, os indicadores sociais estão melhorando e a desigualdade diminuindo. Com política de valorização e formação continuada dos professores, o foco principal da cidade foi no desenvolvimento infantil.

"É na escola que se aplicam pedagogias de pertencimento e de nação e nós estamos frágeis nesses conceitos" Ana Maria F. Almeida, professora da faculdade de educação da Unicamp

Mas como Sobral é uma das raras iniciativas se comparada à média do Brasil, a professora Ana Maria F. Almeida, titular em educação e desigualdade da faculdade de educação da Unicamp, acha que há um caminho longo a se percorrer para conhecer a desigualdade a fundo e enfrentar o problema. "Mesmo nos países ricos onde há as melhores notas, há uma constante que os compara aos países pobres. O maior ou o pior resultado da prova acompanha o nível socioeconômico dos alunos".

Para ela, é preciso definir no Brasil o que é a escola, em que lugar de importância está e quem pode participar do processo de ensino. "É na escola que se aplicam pedagogias de pertencimento e de nação e nós estamos frágeis nesses conceitos."

A educadora lembra que na década de 50, quando começou a segunda onda de expansão da universalização das escolas primárias na AL, Chile, Argentina e Uruguai saíram bem na frente de Brasil e Bolívia. "A universalização do ensino no Brasil não é conquista pequena e não pode ser desprezada. Mas os desafios são grandes."

Para o coordenador de pesquisa e desenvolvimento da Unesco na Argentina, Nestor Lopez, os sistemas educativos da AL, além de não reduzirem as desigualdades, as aprofundam. "E há vários entraves, pois as escolas só querem lidar com o aluno ideal, não com o real". Lopez afirma que os docentes não querem avaliar, muitas vezes, as crianças pelo que elas são, mas pelas expectativas que eles têm em relação a elas, o que considera um mecanismo claro de discriminação. Um exemplo de iniciativa para evitar isso é o Peru, que está reformulando sua educação secundária. "Estão identificando quem são os alunos, em que condições vivem, suas aspirações para depois pensar na reforma que irão fazer. Isso é educação inclusiva."