Valor econômico, v.20, n.4763, 03/06/2019. Brasil, p. A3

 

Custo fiscal requer nova regra para o mínimo 

Sergio Lamucci 

03/06/2019

 

 

A manutenção da atual regra de correção do salário mínimo teria um elevado custo fiscal ao longo dos próximos anos, aponta o economista Luiz Guilherme Schymura, diretor do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV). Na mais recente Carta do Ibre, Schymura mostra que, com o mecanismo de correção que expira em 2019, dado pela inflação do ano anterior mais a variação do PIB de dois anos antes, os gastos do governo federal com benefícios previdenciários e assistenciais no valor de um mínimo subiriam de R$ 305 bilhões neste ano para R$ 540 bilhões em 2029 e R$ 860 bilhões em 2040.

Como proporção do PIB, essas despesas passariam de 4,2% do PIB em 2019 para 5,7% do PIB em 2029 e 7,4% do PIB em 2040. Os cálculos são de Bráulio Borges, pesquisador associado do Ibre/FGV e economista-sênior da LCA Consultores, em reais constantes a preços de 2019. Nessas contas, não estão incluídos todos os gastos previdenciários e assistenciais (que devem ser de 8,5% do PIB neste ano, excluindo o funcionalismo), mas apenas os vinculados ao piso salarial.

Segundo Schymura, a estimativa "é um exemplo emblemático da dimensão do impacto da sistemática de reajuste do salário mínimo nas contas públicas". Ao mesmo tempo, ele ressalta que se trata de um assunto "politicamente espinhoso", que afeta "o bem-estar de uma enorme parcela da população brasileira". Os impactos sobre as contas públicas e o mercado de trabalho "precisam ser contrapostos aos efeitos distributivos e de redução da pobreza", diz Schymura.

Ao analisar cenários prováveis para os próximos anos, ele avalia que "os que parecem politicamente mais palatáveis" são aqueles em que a regra de correção do mínimo estaria num "intervalo cujos limites seriam apenas a inflação do ano anterior e a inflação adicionada do crescimento do PIB de dois anos antes" - ou seja, a regra atual.

Borges fez uma simulação intermediária para a trajetória dos gastos previdenciários e assistenciais no valor de um salário mínimo, adotando como correção do piso a inflação do ano anterior mais a variação do PIB per capita de dois anos antes. Nesse caso, as despesas atingiriam 5,4% do PIB (ou R$ 512 bilhões) em 2029 e 6,6% do PIB (ou R$ 625 bilhões) em 2040.

Ele também calculou a evolução dos gastos se o reajuste fosse apenas pela inflação. Nessa hipótese, subiriam para 4,8% do PIB (ou R$ 455 bilhões) em 2029 e 5,3% do PIB (ou R$ 502 bilhões) em 2040. Borges nota que, mesmo sem alta real, essas despesas continuariam a crescer como proporção do PIB.

Cerca de 23,6 milhões de brasileiros recebem benefícios previdenciários ou assistenciais de um mínimo, dos quais 18,6 milhões do Regime Geral da Previdência Social (RGPS) e 5 milhões do Benefício de Prestação Continuada (BPC, para idosos de baixa renda e pessoas com deficiência). "O impacto fiscal dos reajustes do mínimo vai além disso, pois é preciso considerar os funcionários públicos ativos e inativos que recebem o piso salarial - um contingente expressivo no caso dos governos subnacionais - e também as despesas com o abono salarial e o seguro-desemprego", ressalta Schymura.

Como a regra atual expirou em 2019, "algum diretriz deverá ser estabelecida neste ano para as correções futuras", diz Schymura. "Uma lei ordinária é aguardada ao longo deste ano para normatizar as correções do salário mínimo a partir de 2020." No projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para o ano que vem, o governo indicou o reajuste do mínimo para 2020, 2021 e 2022 apenas pela variação da inflação, sem ganho real.

Borges também estimou a economia acumulada em dez anos com novas regras de reajuste. Se for pela inflação e o PIB per capita de dois anos antes, a poupança para os cofres públicos será de R$ 179 bilhões em relação à regra atual. Se for apenas pela inflação, sobe para R$ 437 bilhões em dez anos, mais de 40% do R$ 1 trilhão que se imagina ser possível obter com a reforma da Previdência num cenário otimista, compara Schymura.

Na carta, ele lembra que a definição do valor do mínimo não é apenas uma questão fiscal, embora esse aspecto tenha assumido um papel muito relevante no Brasil. "Em todo o mundo, e também aqui, estabelecer o valor do piso nacional ou regional dos ganhos salariais é um problema fundamentalmente de regulação do mercado de trabalho", diz Schymura, notando que em geral a discussão gira em torno de contrabalançar efeitos distributivos positivos com possíveis impactos colaterais em termos de queda do emprego ou aumento da informalidade.

Para Borges, cerca de 42,5 milhões de brasileiros ganham "um salário mínimo, ou valor muito próximo, que tende a seguir a correção do piso do mercado de trabalho". Aí estão assalariados, trabalhadores informais e por conta própria e quem recebe benefícios previdenciários e assistenciais.

De 1995 a 2018, o mínimo subiu com força- 960% em termos nominais, alta bem superior aos 347% do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC). Em 1994, porém, o salário mínimo estava bem abaixo da média histórica de 1940 a 2018, diz Schymura. "Até meados da década passada [2005/2006], a política de aumentos reais do mínimo trouxe-o de volta a essas médias e, a partir daí, para os valores reais mais altos desde o início da década de 1960."

Ele nota que o piso salarial tem crescido em comparação com o salário médio da economia, saindo de 32% do valor médio em 1996 para 44% em 2018. "Em relação ao salário mediano [aquele que divide o contingente de trabalhadores em duas metades], o mínimo equivaleu a 72,8% em 2018", afirma Schymura. "Na média dos países da OCDE [Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico], em 2017, o salário mínimo correspondeu a 42% do salário médio e a 53% do mediano, sugerindo que (...) o mínimo brasileiro é relativamente elevado em relação à estrutura salarial do país."