Valor econômico, v.20, n.4772, 14/06/2019. Brasil, p. A3

 

Homofobia é crime e terá tratamento de racismo 

Mariana Muniz 

Luísa Martins 

14/06/2019

 

 

O Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu, ontem, que homofobia é crime. Por oito votos a três, e após seis sessões de julgamento, a Corte entendeu que há omissão do Congresso Nacional ao não legislar para proteger a comunidade LGBT e aplicou aos crimes com motivação homofóbica ou transfóbica a Lei do Racismo.

Nas teses fixadas pelo Supremo para a criminalização, elaboradas pelo ministro Celso de Mello, fica determinado que até que o Congresso aprove lei específica para o caso, as condutas homofóbicas e transfóbicas "ajustam-se, por identidade de razão, aos preceitos primários de incriminação definidos na Lei do Racismo".

Ainda segundo a tese, as condutas homofóbicas também servem como qualificadoras para o caso de homicídios dolosos. Também ficou decidido que a repressão penal à prática da homotransfobia não alcança nem restringe o exercício da liberdade religiosa.

No mês passado, Bolsonaro criticou a possibilidade de o Supremo enquadrar a homofobia como crime de racismo e sugeriu que é o momento de o país ter um ministro da Corte declaradamente evangélico. Na ocasião, disse que o STF, "ao que parece, quer legislar".

Eram duas as ações que tramitavam no Supremo e que pediam o reconhecimento da demora do Legislativo e a aplicação de forma análoga da Lei de Racismo aos crimes praticados com motivação homofóbica ou transfóbica. Uma foi movida pelo Partido Popular Socialista (PPS), e a outra, pela Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT).

Venceram as teses apresentadas pelos ministros Celso de Mello e Edson Fachin, relatores dos dois recursos. Os dois entenderam, em seus votos, equiparar atos de homofobia ao crime de racismo até que o Congresso aprove uma lei específica. O julgamento foi concluído com os votos dos ministros Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Marco Aurélio e Dias Toffoli.

"Uma sociedade discriminatória como a que vivemos, a mulher é diferente, o negro é diferente, o homossexual é o diferente, o transexual é o diferente. Diferente de quem traçou o modelo, porque tinha poder para ser o espelho e não o retratado. Preconceito tem a ver com poder e comando. Quem submete o outro é mandante. Aliás, não submete. Escraviza", disse Cármen.

Para Gilmar, o próprio julgamento no Supremo fez com que o Legislativo saísse da "inércia" com que trata a matéria. Mas, mesmo assim, esses novos movimentos não superam as vulnerabilidades às quais estão submetidas às populações LGBT.

A decisão é uma derrota para o governo federal. A Advocacia-Geral da União (AGU), ainda no início do julgamento, em fevereiro, se manifestou contra a tipificação específica do crime de homofobia e defendeu que cabe ao Congresso, e não ao STF, deliberar sobre o tema.