Correio braziliense, n. 20444, 12/05/2019. Economia, p. 8

 

O guru de Paulo Guedes

Rosana Hessel

12/05/2019

 

 

Conjuntura » Respeitado no meio acadêmico, prático como um economista à frente do seu tempo e referência em estudos, principalmente sobre distribuição de renda, Carlos Langoni tem encontros mensais com o ministro da Economia

Toda semana, a agenda pública do ministro da Economia, Paulo Guedes, oscila entre as cidades de Brasília e do Rio de Janeiro, onde ele costuma despachar às sextas-feiras. E a pessoa mais frequente nos compromissos oficiais do chefe da equipe econômica na capital fluminense é um ex-professor do ministro, o economista Carlos Langoni, diretor do Centro de Economia Mundial da Fundação Getulio Vargas (FGV) e ex-presidente do Banco Central, de 1980 a 1983. Desde que Guedes assumiu o cargo em janeiro, o guru foi recebido pelo pupilo no Rio, em média, duas vezes por mês.

O ex-presidente do BC foi o responsável pela indicação do ministro para uma bolsa de estudos de doutorado na Universidade de Chicago, nos Estados Unidos, quando Guedes cursava mestrado em Economia na Escola Brasileira de Economia e Finanças (EPGE) da FGV. “O que existe é uma admiração minha por Paulo Guedes. Ele foi um aluno brilhante na EPGE e se formou como um dos primeiros da turma. Vi que tinha muito talento e consegui a bolsa para ele em Chicago”, diz Langoni ao Correio. Prestes a completar 75 anos, em julho, o diretor da FGV se autodenomina avô dos “Chicago Boys” brasileiros, agora, chamados de “oldies”.

Além de se aconselhar sobre os planos da agenda econômica, o superministro de Bolsonaro aproveita os encontros frequentes com o mestre para fazer debates acadêmicos. “Conversa de economista de Chicago é meio caótica e desorganizada. Falamos sobre tudo. Até sobre a parte acadêmica e teórica. De vez em quando, começamos a discutir teoria econômica. Não tem nada a ver com política. É uma digressão, até para relaxar. E o resto é brainstorming. Vão surgindo questões naturalmente”, revela Langoni.

O professor participa, inclusive, de reuniões do aluno com os secretários da pasta e de outros ministérios. Um dos temas que mais gosta de discutir com Guedes, confessa, é sobre abertura comercial. “Essa é uma área que eu me interesso, porque o país ainda é uma economia muito fechada”, completa.

O economista Edmar Bacha, um dos pais do Plano Real, vê com bons olhos a proximidade de Guedes e Langoni, que tem uma obra importante sobre fontes do crescimento brasileiro e de distribuição de renda no país. “Ele foi para o governo e, então, para a iniciativa privada, mantendo, entretanto, um pé nas discussões de política econômica na FGV. É uma boa influência sobre o Guedes, especialmente no que se refere à abertura da economia”, afirma o imortal da Academia Brasileira de Letras.

Pioneirismo

Natural de Nova Friburgo (RJ), Langoni gostava de ficar entre os primeiros da classe. Quando, no vestibular, passou em sétimo lugar “não ficou satisfeito”.  A Universidade de Chicago é um dos berços do pensamento econômico liberal e, segundo Langoni, não era um destino comum aos acadêmicos brasileiros em sua época, mas havia muitos estudantes latino-americanos. Ele foi o primeiro brasileiro a fazer mestrado e doutorado na escola econômica da capital do estado de Illinois, concluindo os estudos no fim da década de 1960.

“A escola de Economia que mais influenciou a retomada do desenvolvimento nos países emergentes foi a de Chicago. Estava tão à frente do seu tempo que, quando voltei, havia até uma denominação pejorativa: o ‘Chicago Boy’, o monetarista. Ele não chegou a ter aula com o economista Milton Friedman, mas gosta de contar que é o único brasileiro citado nas obras do Prêmio Nobel de Economia e principal referência dos “Chicago Boys”.

Três anos depois de retornar ao Brasil, Langoni deixou a Universidade de São Paulo (USP) e começou a lecionar na EPGE a convite de Edmar Bacha, no início dos anos de 1970, com o aval do professor Mário Henrique Simonsen. Com a saída dos dois, Langoni assumiu o cargo de diretor da EPGE e instaurou o primeiro doutorado em economia do país. As divergências de pensamento teórico na escola fizeram com que alguns economistas deixassem a instituição rumo à Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio, onde foi concebido o Plano Real.

O livro Distribuição da renda e desenvolvimento econômico no Brasil, publicado em 1973, tem como origem um artigo de 1972. Uma das nove obras publicadas de Langoni é considerada referência sobre as principais causas da desigualdade no país, que era elevada durante a década do Milagre Econômico.

Marcelo Neri, diretor do Centro de Políticas Sociais da FGV, editou uma versão do livro em 2005 e descreve Langoni como “um dos protagonistas no debate sobre distribuição de renda e educação”. “A tese dele foi gerada logo após a divulgação do censo de 1970, o que permitiu analisar a evolução da desigualdade sobre a base de dados de 1960. O trabalho de Langoni é uma fonte importante e até hoje é referência no meio acadêmico. Ele mostra que houve aumento da desigualdade em um momento em que a renda de todos melhorou. Até hoje usamos essa metodologia para nossas análises”, explica Neri.

O presidente do Insper, Marcos Lisboa, evita falar de pessoas, mas conta que já escreveu algumas colunas comentando o trabalho de Langoni. Para ele, a tese de doutorado de Delfim Netto, a de doutorado e de livre docência de Affonso Celso Pastore e o livro de Langoni são “os mais impressionantes trabalhados em economia da época”. “A obra de Langoni, em  especial, é muito além do seu tempo. É impressionante o cuidado e a sofisticação técnica. Eu já descrevi para alguns especialistas de fora do Brasil o que Langoni fez há mais 45 anos no Brasil. Não acreditam”, afirma.

Para o economista Ricardo Paes de Barros, um dos formuladores do programa Bolsa Família, a obra de Langoni é “um marco central na literatura nacional” sobre o assunto desigualdade. “O trabalho dele é muito avançado para a época em que foi publicado, metodologicamente e tecnicamente. O livro dele é uma obra-prima, tanto do ponto de vista técnico quanto substantivo. Ele trata dos problemas centrais de uma maneira metodologicamente bem moderna para a época”, afirma Barros, que também frequentou a Escola de Chicago e hoje leciona no Insper.

Apesar de não ter sido aluno de Langoni, o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga demonstra admiração pelo trabalho do economista. “Os debates dele são famosos até hoje e é quase um consenso que ele consolidou vários temas entre os acadêmicos. “Langoni é uma pessoa de grande visão. É uma pessoa muito competente”, completa.

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Seis perguntas para...

 

 

 

 

 

 

Carlos Langoni

12/05/2019

 

 

Quando a agenda liberal proposta pelo ministro Paulo Guedes será colocada em prática?

Nos encontros de agenda, temos uma discussão mais livre do que ele pretende, com debates sobre o que ele está desenhando a curto, médio e longo prazos. Ele se preocupa muito com a sequência temporal. Acho que ele está absolutamente correto quando começa com a ancoragem fiscal. Sem essa ancoragem, todo o restante da agenda fica prejudicada. Depois da reforma (da Previdência), ancorada a questão fiscal e deixando claro que os deficits crônicos serão revertidos — ainda que a médio prazo —, que a dívida pública não será explosiva e que o deficit primário será reduzido, tudo isso cria um choque de expectativa e de confiança. Isso vai permitir que, principalmente, a reforma tributária e a esquecida de abertura da economia completem a estratégia liberal e a economia comece a andar.

Mas a economia está andando de lado, com tantas reduções nas projeções do PIB…

A economia, na verdade, está parada. Está estagnada. O país saiu da recessão, mas vivemos um período de processo relativo de estagnação. Isso era previsível até que essa agenda de mudanças estruturais comece a ser implementada. Aí que está o desafio político.

Vivemos em uma democracia e tudo tem que ser debatido e aprovado pelo Congresso...

Mas eu acho que, ao final e ao cabo de todos esses desafios de governabilidade, a reforma vai ser aprovada, porque é absolutamente necessária. Qualquer governo teria que enfrentar essa questão da Previdência logo na partida. Eu acho que está certo.

E o que vem na sequência?

Vem a reforma tributária, uma simplificação com redução dos impostos sobre os investimentos e sobre o lucro das empresas, que é muito importante. Depois, as mudanças de marcos regulatórios que vão beneficiar o investimento também na área de infraestrutura, na área de energia, na questão do projeto do gás, que está sendo discutido. E depois, vem a abertura negociada, que é uma abertura multidimensional. Isso porque não é só acesso ao mercado, mas também acesso a investimento e à transferência de tecnologia. É a agenda liberal, além de todo o processo de concessões e privatizações. Ele está desenhando uma nova economia. Os contornos ainda estão indefinidos e ainda com sombra e com certas dúvidas e incertezas. Mas, quando o desenho e as medidas forem sendo aprovadas, o país entra em um ciclo virtuoso. As pessoas vão começar a perceber que o país está indo em outra direção. E aí a questão crucial, que é restabelecer a mobilidade social e começar a reduzir essa taxa elevadíssima do desemprego.

Mas o desemprego cresce. Estamos vendo uma piora muito grande nos indicadores de forma geral neste primeiro trimestre do ano. Como reverter isso no curto prazo?

Essa é uma ótima pergunta. Primeiro, não cair na tentação dos pacotes e das soluções mágicas. Não existem mais soluções mágicas. Então, não é mais possível querer tirar o país dessa relativa estagnação com medidas pontuais, com benefícios creditícios de bancos públicos, com isenções tributárias. Até porque o governo não tem margem fiscal para isso. E as políticas seletivas dos bancos públicos não produziram nenhum efeito importante para o crescimento sustentável. É preciso manter a estratégia. Avançar nas reformas e deixar bem claro que é o caminho do encontro do crescimento. Isso não vai acontecer no primeiro nem no terceiro trimestre. Se a reforma da Previdência for aprovada até julho, tem que encaixar em seguida a reforma tributária, que é mais simples de ser absorvida e compreendida pela sociedade. O governo não vai aumentar a carga tributária. Vai simplificar e reestruturar os impostos. A partir daí, acho que pode ter um segundo semestre já com a confiança voltando, preparando o terreno para um crescimento mais forte no ano que vem.

E o que vai puxar esse crescimento?

O investimento vai ser liderado pelo setor privado, não serámais gasto público nem  consumo privado. Ele vem a reboque. Primeiro vem o investimento forte em infraestrutura. Há um enorme volume de recursos externos interessados no país. É bom lembrar que, apesar de toda essa turbulência que o país está vivendo e viveu no passado durante o período de eleição, o volume de investimento estrangeiro direto está rodando na faixa de US$ 85 bilhões por ano. Eu acho que pode ser muito mais, pode ser acima de US$ 100 bilhões, quando o risco político diminuir e passarmos essa fase de tensão aguda com o debate em torno da reforma. A resposta da economia vai ser muito rápida. Acho que o grande desafio é gerenciar essa transição.