Correio braziliense, n. 20445, 13/05/2019. Política, p. 3
Vaga no STF para segurar Moro
Bernardo Bittar
13/05/2019
Poder » Ao dizer, em entrevista, que assumiu o compromisso de nomear o ex-juiz para o Supremo Tribunal Federal, Bolsonaro passa a impressão de que o Ministério da Justiça foi um trampolim para guindar o ministro à Corte, deixando no ar um toma lá dá cá
Diante das dificuldades enfrentadas pelo governo, sobretudo no Congresso, e da queda de sua popularidade, o presidente da República, Jair Bolsonaro, fez afagos no ministro da Justiça, Sérgio Moro, que estaria descontente com o cargo. Para evitar o constrangimento de perder o alardeado superministro, chefe do Executivo se referiu a Moro como “ícone do Brasil” e retomou sua promessa de indicar o ex-juiz para o Supremo Tribunal Federal (STF) em 2020.
Especialistas ouvidos pelo Correio tratam a situação como inédita. “Parece que Bolsonaro fez isso para obrigar Moro, que é um dos nomes mais fortes do governo, a engolir mais alguns sapos”, diz o analista político da HC7 Pesquisas Carlos Alberto Moura. Ele lembra que o ministro tem aberto mão de muitas posições por falta de apoio do governo. Para o professor de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB) Pablo Holmes, “é triste que o Supremo permaneça sendo instrumento de acomodação política”.
Holmes afirma que “fica parecendo que Moro não foi bem-sucedido na breve carreira política e que vão colocá-lo ali, guardadinho na Corte”. A desvantagem, destaca o professor, é a possibilidade de surgir algum problema ético no Ministério da Justiça enquanto Moro não chega ao Supremo. “Isso só expõe o ministro e não tem serventia nenhuma”, completa.
A vaga em questão é ocupada atualmente pelo ministro Celso de Mello, o decano da Corte. Em novembro do ano que vem, ele completará 75 anos, idade máxima para que juízes fiquem em seus cargos. Em 2021, o mesmo ocorrerá com Marco Aurélio Mello. Outros dois ministros (Rosa Weber, de 71 anos, e Ricardo Lewandowski, 70), acreditam colegas, poderiam pedir a aposentadoria antes de ela se tornar compulsória — o que abriria mais lugares no STF.
Mas antes de comemorar a indicação prematura, tanto Moro quanto Bolsonaro terão que se alinhar com o Parlamento, afinal, depende do Senado a aprovação para que indicados ao Supremo possam, de fato, vestir a toga da mais alta corte do país. “A última vez que um nome foi rejeitado pelos senadores foi em 1991. E não dá para dizer que isso não pode acontecer novamente”, ressalta Holmes.
Superministro
No primeiro escalão, o comentário é que Moro teria revelado aos conselheiros mais próximos sua intenção de deixar a administração pública. Embora tenha sido nomeado como superministro, ele amargou algumas derrotas. Por duas vezes, Bolsonaro desconsiderou o conselho de seu ministro da Justiça a respeito das novas normas de posse e porte de armas. A mudança mais recente, inclusive, é questionada no STF e no Congresso por defeitos jurídicos.
Em outro episódio, o ministro teve de recuar da nomeação de uma suplente de conselho ligado à sua pasta, a diretora executiva do Instituto Igarapé, Ilona Szabó — barrada pela ala ideológica do governo. Considerada expert em questões envolvendo políticas criminais e penitenciárias (justamente o tema do conselho do qual faria parte), foi tratada como “esquerdista” pelos aliados do Planalto e cortada pelo presidente.
Perda amarga
Outra perda amarga para o ex-juiz da Lava-Jato foi a transferência do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) da Justiça para o Ministério da Economia na Comissão Especial que analisou a MP 870. Moro fazia questão absoluta de continuar à frente do órgão, e terá como próxima tarefa tentar reverter a decisão.
A percepção é de que o presidente quer segurar o ministro Moro. Como quem diz: ‘segura as pontas aí que, comigo, você chega lá”, afirma o criador da start-up de monitoramento legislativo Siga-Lei, Ivan Ervolino. “A gente pode tratar essa declaração do presidente como um claro exemplo de toma lá, dá cá”, complementa.
Sobre a postura do ministro enquanto articulador político, Ivan salienta que Sérgio Moro encontra dificuldades. “Juiz é acostumado a sentenciar. Mas se viu sucumbindo às negociações de um cargo técnico. Nessa transição, ficou muito subordinado”.
A promessa, atraente para Moro, pode ser uma manobra para deixá-lo fora das eleições de 2022. “Sinceramente, vejo isso tudo como um jogo político. O governo está derrapando, mas o ministro ainda tem popularidade. Pode ser que a declaração do presidente tenha sido pensada também nesse âmbito”, finaliza Ivan Ervolino.