Valor econômico, v.20, n.4767, 07/06/2019. Brasil, p. A4
Robôs vão ajudar na coleta de preços para medir inflação oficial
Bruno Villas Bôas
07/06/2019
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) estuda há um ano uma nova ferramenta para coletar preços usando robôs na internet - espécie de nova fronteira em diferentes países para o cálculo da inflação oficial. O instituto testa inicialmente o uso dessa tecnologia para levantar tarifas de passagens aéreas, o que deverá ser expandido para outros itens futuramente.
Fernando Gonçalves, gerente de Índices de Preços ao Consumidor do IBGE, diz que a ferramenta desenvolvida pela diretoria de Informática acessa os sites das companhias aéreas e simula centenas de preços das passagens, com partida e chegada em cada um dos 16 locais que integram o IPCA, como São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e Brasília.
"O teste é primeiro passo para que a coleta das passagens seja realizada automaticamente, em segundos. Hoje esse trabalho é feito manualmente na internet por técnicos dos 16 diferentes locais pesquisados, uma vez por semana", disse o gerente de Índices de Preços, acrescentando que estudos internos confirmam a convergência dos preços coletados por robôs e manualmente.
O passo seguinte do projeto será expandir a operação dos robôs para outros preços já coletados manualmente por servidores via internet, como livros, perfumes, itens de papelaria e tarifas de serviços bancários. Além de serem usados nos atuais índices de preços do IBGE, a ideia é que esses e outros bens e serviços passem a compor futuramente um índice de preços da internet.
Vladimir Miranda, gerente de planejamento e metodologia da Coordenação de Índices de Preços do IBGE, diz que a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), prevista para ser divulgada em meados deste ano, vai ajudar a orientar quais preços devem ser coletados pela internet. Segundo ele, a POF vai detalhar pela primeira vez os hábitos de consumo das famílias na internet.
"Não tínhamos essa informação sobre o consumo on-line, e agora teremos. Com essas informações, é possível selecionar e expandir a amostra da nossa coleta de preços pela internet", disse Miranda, acrescentando que esse tipo de levantamento de preços on-line é mais barato para o instituto, embora considere cedo para estimar valores. "Os custos são principalmente de tecnologia de informação".
Miranda acrescenta que a intenção é que a coleta dos preços das passagens aéreas pelos robôs comece a ser usada no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ainda neste ano. Uma data mais exata não foi definida porque existem desafios que exigem cautela.
"Temos ainda alguns desafios a resolver, como o caso de os sites provedores dos preços mudarem de uma hora para a outra, o que atrapalha a captação pelos robôs. Alguns sites também têm políticas anti-robôs, além da instabilidade do tráfego da internet", disse Miranda.
Em outros países, institutos de estatísticas também têm estudado formas de coletar preços on-line, ferramenta que em inglês se chama "web scraping". Essa corrida é incentivada pela necessidade de reproduzir novos hábitos dos consumidores - que compram cada vez mais pelas redes - e pelo benefício de redução de custos das pesquisas. Na Bélgica, preços coletados na web são usados na inflação há dois anos, incluindo itens como blu-ray, reserva de hotel e videogames.
Durante evento realizado recentemente na FGV, outros países apresentaram seus exemplos de pesquisas em desenvolvimento. No Reino Unido, além da coleta de preços on-line, a busca é pelo chamado "scanner data". Trata-se de levantamento de preços efetivamente pago por consumidores fornecidos por grandes redes varejistas. Na Polônia, o uso dessa técnica já foi testada para preços de bicicletas.
Apesar dos avanços, a inflação das famílias brasileiras não deve ser integralmente medida pela internet tão cedo. Isso porque o índice oficial de preço precisa refletir os hábitos de consumo dos brasileiro, que não se restringem ao ambiente on-line. É fato que o consumidor pode comprar tomate no site da rede de supermercado, mas também compra o produtos em feiras, cujos preços não estão na web.
"Nem todo preço está na internet, nem toda a compra é feita na internet", disse Gonçalves, gerente de Índices de Preços ao Consumidor, que evitou estimar quando o IPCA passará a adotar os preços coletados automaticamente pela internet.