Valor econômico, v.20, n.4767, 07/06/2019. Política, p. A8

 

Reforma preserva deputados que pagam para regime previdenciário especial 

Malu Delgado 

07/06/2019

 

 

A proposta de reforma da Previdência enviada pelo governo Bolsonaro ao Congresso blinda boa parte dos atuais parlamentares federais que votará as mudanças na Constituição. Entre os deputados federais que vão apreciar regras mais rígidas para servidores públicos e trabalhadores da iniciativa privada conseguirem a aposentadoria, há uma casta de privilegiados que não será enquadrada no aumento progressivo das alíquotas de contribuição e terá uma transição mais suave que os demais servidores.

Esse grupo, hoje formado por 174 deputados federais, segundo levantamento da Câmara de maio, contribui para o PSSC (Plano de Seguridade Social dos Congressistas), pagando alíquota de 11% do salário de R$ 33.763,00, ou seja, contribuição mensal R$ 3.713,93. Deputados que se elegeram em 2018 podem fazer a opção de regime previdenciário: se o especial do Congresso, o INSS, ou regimes próprios de Estados e municípios. A PEC só veda o ingresso a regimes especiais a partir dos próximos mandatos.

O texto original da PEC propõe que servidores públicos que ganham entre R$ 20.000,01 a R$ 39.000,00 paguem alíquotas de 14,68% a 16,79%. A regra, no entanto, não vale para deputados do atual mandato. Há outros 267 parlamentares que optaram por aderir ao Regime Geral da Previdência Social só receberão, quando aposentados, o teto de R$ R$ 5.839,45.

"A PEC exclui da incidência da regra quem tiver entrado na legislatura neste ano. Só vai valer para a próxima legislatura. Em outras palavras, quem estiver agora na Câmara, mesmo que em primeiro mandato, tem direito ao PSSC. E por que fizeram isso? Os parlamentares poderiam votar contra a reforma só porque prejudicariam seus próprios direitos", explica Jorge Boucinhas, professor de direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV-EASSP).

O presidente da comissão de direito previdenciário da OAB-SP, José Roberto Sodero, também enfatiza a existência da blindagem parlamentar. "Só os novos eleitos vão para o regime geral. Os atuais [em regimes especiais ou próprios] não vão pagar [alíquotas de 16% ou 22%]. Só aumenta alíquota para o deputado que estiver no regime geral. Houve blindagem geral [de políticos], não só no parlamento federal. O chamado sacrifício fica limitado a determinadas castas de trabalhadores. Os parlamentares não farão o sacrifício que os outros farão", afirma Sodero.

A distinção entre os deputados que vão votar a PEC no plenário da Casa possivelmente em junho provoca desconforto. "Tem um grupo de deputados aqui que pode sim falar de fim de privilégios na Previdência porque não tem aposentadoria especial: 267 recebem ou fizeram opção pelo INSS, pela previdência pública e recolhem sobre o teto. Só esses podem falar em corte de privilégios", afirmou o deputado Júlio Delgado (PSB-MG), que é deputado federal desde 1999 e está no quinto mandato.

O parlamentar critica colegas que discursam contra a tabela progressiva de alíquotas "porque não querem pagar 20% de R$ 30 mil". "Usam o pobre para falar que a previdência pega o assalariado, mas querem defender é a si próprios." Segundo o mineiro, também os deputados que estão em regimes próprios dos Estados devem pagar mais de 11% de alíquota. "Se vão receber aposentadoria maior que o teto do INSS, têm que pagar mais."

Em seu Estado, por exemplo, há 11 deputados contribuintes do Iplemg (Instituto de Previdência do Legislativo do Estado de Minas Gerais). No Iplemg, a aposentadoria integral é concedida a quem atingir 52 anos de idade e 35 de contribuição. A carência mínima para requerer aposentadoria proporcional neste regime é de oito anos de contribuição em mandatos eletivos.

O relator da reforma da Previdência na comissão especial da Câmara, Samuel Moreira (PSDB-SP), é um dos que estão no PSSC. Procurado, o parlamentar informou que aderiu ao plano de seguridade há cinco anos e disse que não pode comentar nada do texto da reforma por estar concluindo seu relatório final, que será apresentado na próxima semana. Os especialistas afirmam que o regime do legislativo é mais vantajoso do que o do INSS a partir do quinto ano de mandato.

"Toda a minha vida estou no regime geral", argumentou o deputado Marcelo Ramos (PL-AM), que preside a comissão especial da reforma da Previdência na Câmara. "Neste novo ambiente de austeridade fiscal, os parlamentares devem estar no regime geral, ressalvando que é preciso regra de transição para os que contribuiam para o outro regime."

O presidente da comissão especial diz que "nem sabe o nome desse outro regime aí [o PSSC]", e evitou comentar sobre emendas que podem igualar as regras de transição dos políticos aos demais. "Não cabe comentar muito sobre o conteúdo do que virá no relatório do deputado Samuel", reagiu, evitando também comentários sobre a emenda original. "Te confesso que nem sei a transição que está prevista lá [para detentores de mandatos eletivos]."

Entre as 227 emendas validadas pelo relator, apenas uma, da bancada do Novo, propõe mudanças no artigo que preserva os parlamentares contribuintes de regimes especiais. "Não tem cabimento o Brasil, com tantas desigualdades, e a gente querendo fazer reforma da Previdência só para os outros. Por que deputado tem aposentadoria especial? Qual a justificativa?", indaga o vice-líder do Novo, o deputado federal Vinicius Poit (SP). Ele é contribuinte do INSS, assim como vários outros deputados de primeiro mandato da nova geração.

A emenda do Novo propõe uma fórmula para cálculo do benefício a partir de média aritmética das contribuições. "Para receber 100% da média de suas contribuições, será necessário que o parlamentar tenha contribuído por 40 anos", diz a justificativa. A PEC original do Executivo prevê pedágio: "deverão cumprir período adicional correspondente a 30% do tempo de contribuição que faltaria para aquisição do direito à aposentadoria" e com idade de 62 anos (mulher) e 65 anos (homens)". "O pedágio dos políticos é mais generoso do que para quem tiver na iniciativa privada que é de 50%", diz Boucinhas.