O Estado de São Paulo, n. 45807, 18/03/2019. Internacional, p. A14

 

Nos EUA, Bolsonaro critica 'defensores da tirania' e ataca 'antigo comunismo'

Beatriz Bulla

Ricardo Leopoldo

18/03/2019

 

 

‘Tropical Trump’. Ao pousar em Washington, presidente brasileiro diz no Twitter que pela primeira vez em muito tempo um chefe de Estado do Brasil não é antiamericano; alvo de protesto de 60 pessoas na Casa Branca, ele hoje verá empresários e amanhã, Trump

Jantar. Recebido pelo embaixador Sérgio Amaral, Bolsonaro teve a sua direita o escritor Olavo de Carvalho, que no sábado chamou Mourão de idiota

O presidente Jair Bolsonaro chegou às 15h40 (16h40 em Brasília) de ontem aos EUA, onde se encontrará amanhã à tarde com o presidente americano, Donald Trump. Um grupo de 60 manifestantes protestou em frente à Casa Branca contra a visita. Após pousar em Washington, ele tuitou que a união entre Brasil e EUA “assusta defensores do atraso e da tirania”. Em seu primeiro compromisso, à noite, sentou-se em um jantar ao lado do escritor Olavo de Carvalho e do ex-estrategista de Trump, Steve Bannon.

A primeira manifestação de Bolsonaro nos EUA ocorreu logo após a aterrissagem, pelo Twitter. “Pela primeira vez em muito tempo, um presidente brasileiro que não é antiamericano chega a Washington. É o começo de uma parceria pela liberdade e prosperidade, como os brasileiros sempre desejaram”, escreveu. Bolsonaro ficará na Blair House, residência de hóspedes do governo americano, em frente à Casa Branca. O local também recebeu os expresidentes Fernando Henrique Cardoso, Lula e Dilma Rousseff. No Twitter, Bolsonaro disse que essa é uma “honraria concedida a pouquíssimos chefes de Estado”.

O primeiro compromisso do brasileiro foi jantar com representantes do movimento conservador americano. Entre eles, estavam Bannon, estrategista que rompeu com Trump em 2017, e Olavo de Carvalho, escritor que indicou vários integrantes do governo Bolsonaro.

Em outro jantar, no sábado, Olavo disse amar Bolsonaro, mas se mostrou pessimista quanto à administração. “Se tudo continuar como está, já está mal. Não precisa mudar nada para ficar mal. É só continuar isso mais seis meses e acabou”, afirmou. Olavo também chamou o vice, Hamilton Mourão, de idiota.

Em discurso durante o jantar de ontem, Bolsonaro enalteceu o que vê como aproximação entre Brasil e Estados Unidos e criticou o “antigo comunismo”. Segundo o porta-voz da presidência, general Otávio Rêgo Barros, Bolsonaro apresentou ideias de “fortalecer o comércio, reconhecendo que os EUA são o segundo mercado para os produtos brasileiros, reconhecendo que a diplomacia de fortalecer a democracia neste lado do Ocidente é importante, reconhecendo que aspectos relativos ao antigo comunismo não podem mais imperar”.

O cardápio foi composto por mousse com ovas de entrada, “bife Wellington” como prato principal e quindim na sobremesa. Bannon sentou-se à esquerda do presidente e acompanhou as falas com um fone para tradução simultânea. Olavo de Carvalho ficou à direita de Bolsonaro. Ao deixar o local, Bannon falou que o jantar com Bolsonaro teve “temperatura mais baixa” que o de sábado.

A recepção ocorreu na residência do embaixador do Brasil nos EUA, Sérgio Amaral. Bolsonaro já indicou que o embaixador será substituído, ao sugerir na semana passada que diplomatas brasileiros seriam os responsáveis por sua imagem ruim no exterior, onde ganhou o apelido de “tropical Trump”. O diplomata Nestor Forster, que apresentou o chanceler Ernesto Araújo a Olavo de Carvalho, é cotado para o posto. Bolsonaro encontrará hoje empresários e investidores e dará entrevista à Fox News.

Atos. Entre os manifestantes americanos e brasileiros reunidos ontem diante da Casa Branca, havia temor de que o relacionamento dos dois chefes de Estado possa elevar as tensões na Venezuela, com efeitos negativos para a estabilidade na América do Sul.

“Bolsonaro e Trump legitimam a extrema direita em nível global, pois assumem uma retórica perigosa contra diversos setores da sociedade”, afirmou o americano Michael Shallal, um dos organizadores do protesto, funcionário de um museu em Washington. Segundo ele, um dos seus principais temores é que “os EUA poderão espalhar o imperialismo pela América do Sul, sobretudo com um golpe à Venezuela, com intervencionismo militar.” Para Barbara Silva, tradutora e professora de português e espanhol, Bolsonaro defende “um discurso de ódio” embasado em preconceitos contra mulheres, negros e apoiadores do movimento LGBT.

Ao sair da Blair House para o jantar com integrantes do movimento conservador, Bolsonaro ouviu os gritos de um apoiador, Daniel Carvalho de Oliveira, que tem 54 anos e mora nos EUA há 29 anos. “Bolsonaro, we love you, continue fazendo o que você está fazendo. Você está sendo o cara. Não deixe a corrupção te pegar, você não precisa”, afirmou. Bolsonaro acenou e agradeceu, em português e em inglês, dizendo “thank you”.

QUESTÕES BILATERAIS

Venezuela

EUA querem o apoio do Brasil para pressionar ainda mais o regime de Nicolás Maduro diante da crise no país caribenho.

China

EUA querem que Brasil ajude a diminuir a influência da China na América Latina.

Economia

Brasil pretende alavancar o diálogo com empresários e investidores americanos. Um tratado de livre-comércio está distante.

Base de Alcântara

Países anunciarão o acordo de salvaguardas tecnológicas que permite o uso da Base de Alcântara, no Maranhão, para o lançamento de satélites.

OCDE

Brasil tenta apoio dos EUA para sua candidatura a membro da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico.

Vistos

Americanos não precisarão de visto para vir ao Brasil.