Título: Só educação para motoristas é pouco
Autor: Braga, Juliana
Fonte: Correio Braziliense, 22/09/2012, Brasil, p. 10

Governo chama personalidades para lançar campanha de conscientização, mas especialistas defendem medidas como mais investimentos em transporte público e fiscalização

A presidente Dilma Rousseff lançou ontem pela manhã uma campanha permanente de conscientização para reduzir o número de mortes no trânsito. Com o tema "Não exceda a velocidade, preserve a vida", o plano pretende, por meio de peças publicitárias, convencer os motoristas a não pisar fundo no acelerador e a evitar condutas de risco. Especialistas ouvidos pelo Correio, entretanto, afirmam que a campanha não é suficiente para atacar os principais problemas das pistas brasileiras.

O projeto anunciado ontem faz parte de uma série de compromissos firmados pelo governo federal com a Organização Mundial da Saúde, órgão das Nações Unidas (ONU), para reduzir em 50% o número de mortes nas pistas até 2020. Assinada no início de 2011, a proposta é fazer desta década a Mundial de Ação pela Segurança no Trânsito. "Cada vez mais nos tornamos um país desenvolvido, de classe média. E temos essa quantidade de veículos em circulação. É exigida de nós a responsabilidade com a vida em sociedade e com os valores relativos à civilidade nessas relações", ressaltou a presidente durante o lançamento.

Na avaliação do especialista em trânsito da Universidade de Brasília (UnB), Paulo César Marques, o governo perdeu tempo ao lançar o programa somente agora, já que, em maio do ano passado, foi lançado o Pacto Nacional pela Redução dos Acidentes de Trânsito. "Já perdemos quase dois anos da década", diz. Marques destaca ainda a necessidade de parcerias com as empresas automobilísticas — que conquistam o cliente por meio de propagandas que incentivam a velocidade para obter cada vez mais lucro. "Quem vende carro faz propagandas dizendo que esse é o que corre mais, ou mostrando o cavalo de pau bonito que ele faz para estacionar", critica.

Marques alerta também para o risco de a campanha se limitar somente a propagandas e acabar caindo na espetacularização. Ontem, na cerimônia no Palácio do Planalto, por exemplo, estavam presentes o apresentador Marcelo Tas, o ex-piloto de Fórmula 1, Emerson Fittipaldi, a cantora sertaneja Paula Fernandes, a atriz Cissa Guimarães, além dos jogadores de vôlei Nalbert e Virna. As personalidades já viveram experiências dolorosas por causa da violência no trânsito ou trabalham em projetos relacionados ao tema. A cantora Paula Fernandes, por exemplo, perdeu uma prima em um acidente de carro. "Pode ter um apelo popular importante ter figuras do showbiz para que a população cobre mais das autoridades. Mas é preciso ter ações efetivas", avalia Paulo César.

De acordo com o presidente da Federação Nacional das Associações do Detran (Fenas-Detran), Mário Conceição, os principais pontos a serem atacados para evitar acidentes de trânsito hoje são: educação dos motoristas, conservação das vias, oferta de transporte público de qualidade e a falta de fiscalização. A campanha anunciada contempla apenas a questão da educação e só dos motoristas já habilitados. "É preciso criar uma cultura na escola, desde a infância, mas faltam professores preparados para isso", afirma.

Outros dois aspectos levantados pelo especialista também estão sendo considerados pelo Executivo. O governo anunciou no mês passado o plano de concessões de rodovias. Com a intenção de melhorar o escoamento da produção, serão destinados R$ 133 bilhões até 2037 para duplicar 5,7 mil quilômetros de rodovias e construir 10 mil quilômetros de ferrovias. E, para diminuir o número de carros nas ruas, o Executivo lançou o PAC Mobilidade Urbana, que investirá em transportes públicos como Veículos Leves sobre Trilhos e metrôs.

Acidente No mesmo dia em que a presidente Dilma Rousseff lançou campanha de conscientização, um dos carros oficiais da Presidência da República capotou ontem, na DF-025, no sentido Paranoá-Ponte JK. Segundo o Departamento de Estradas e Rodagem do Distrito Federal (DER-DF), pelas condições do acidente, o motorista estaria trafegando acima da velocidade permitida na via — 70km/h. A combinação com a pista escorregadia, por causa das primeiras chuvas, resultou no capotamento. O veículo rodou várias vezes na pista, antes de tombar no canteiro central. A Secretaria de Comunicação informou que o carro estava a serviço do senador Fernando Collor que, por ser ex-presidente, tem direito vitalício a dois carros oficiais cedidos pela Presidência. O condutor estava sozinho no carro.

Reunião na ONU A presidente Dilma Rousseff deve tratar do tema em seu discurso na abertura da Assembleia Geral da ONU, afirma o ministro das Cidades, Aguinaldo Ribeiro. Segundo ele, "ela vai tratar do tema, como uma preocupação de que possa estar na agenda mundial". Dilma faz o discurso, na terça-feira, em Nova York (EUA). Lá ela também se encontra com o presidente da Federação Internacional de Automobilismo, Jean Todt, com quem conversará sobre o assunto.

"Quem vende carro faz propagandas dizendo que esse é o que corre mais, ou mostrando o cavalo de pau bonito que ele faz para estacionar" Paulo César Marques, especialista em trânsito

Perda Em 20 de julho de 2010, o filho da atriz Cissa Guimarães, Rafael Mascarenhas, foi atropelado dentro de um túnel que estava fechado para obras, no Rio de Janeiro. O condutor, Rafael Bussamra, apostava um racha com outro veículo e não viu a vítima, que andava de skate com amigos. O atropelador chamou a Polícia Militar e o socorro médico, mas deixou o lugar do acidente e ainda subornou policiais. Inicialmente ele havia sido acusado de homicídio doloso, mas há dois meses, a Justiça do Rio desclassificou o crime para homicídio culposo (quando não há intenção). Desde o episódio, a atriz luta pela paz no trânsito.