Valor econômico, v.20, n.4776, 21/06/2019. Brasil, p. A4

 

Para o setor privado, conclusão da OIT sobre reforma trabalhista é 'satisfatória'

Assis Moreira 

21/06/2019

 

 

O setor privado considerou satisfatória a conclusão da Comissão de Aplicação de Normas da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre a reforma trabalhista no Brasil e acha que isso elimina incertezas na sua implementação definitiva.

Após intensas deliberações, a Comissão solicitou ao governo brasileiro que siga examinando os impactos da reforma trabalhista e avalie a necessidade de eventuais adaptações, em cooperação e em consulta com entidades representativas de trabalhadores e empregadores do país.

O colegiado pediu também que, em consultas com os grupos de empregados e empregadores, o governo fizesse relatório sobre a questão, no ciclo regular de informações que o país dá à Comissão.

"A decisão final da Comissão reconheceu a reforma trabalhista e a total soberania que o Brasil tem para decidir sobre essas questões", reagiu em Genebra o chefe do grupo de empregadores pelo lado brasileiro, Murilo Portugal, presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e da Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CNF). Portugal. ''Pediu para se examinar e decidir se é necessário adaptações na reforma, mas a palavra final continua sendo do governo."

Para a Confederação Nacional da Indústria (CNI), a conclusão da Comissão mostrou "a perfeita harmonia" entre o modelo de negociação coletiva trazido pela nova legislação brasileira e a Convenção 98 da OIT, que trata do direito à negociação coletiva.

De seu lado, o representante da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Antonio Lisboa, considerou que a conclusão "não foi satisfatória", porque a Comissão de Aplicação de Normas poderia ter recomendado diretamente que o governo alterasse os dois pontos denunciados na reforma trabalhista pelos sindicatos. Mas entende que, ao mesmo tempo, a Comissão reforçou a queixa dos sindicatos de que o governo adotou a reforma trabalhista sem diálogo social, e isso precisa ser retomado agora.

Nos últimos dois anos, o Brasil foi colocado na lista de países supostamente violadores de direitos trabalhistas, depois de queixa de centrais de trabalhadores e questionamento de comissão de peritos, escolhidos pela OIT, sobre seis pontos da reforma como sendo possivelmente incompatíveis com a Convenção 98, elaborada em 1949, quando o mundo do trabalho era totalmente diferente.

Dois pontos principais foram destacados. Primeiro, a prevalência do negociado sobre a legislação para, segundo os sindicatos, retirar direitos ou rebaixar o piso da lei e reduzir a atratividade e incentivos ao engajamento dos trabalhadores em negociações coletivas; e segundo, a possibilidade de que, por acordo individual, se deixar de aplicar convenções coletivas ou a própria legislação.

Em pronunciamento na Comissão, Portugal notou que não é possível avaliar reformas estruturais com apenas um ou dois anos. Destacou que a prevalência do negociado sobre o legislado é adotada em um terço dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), sem que se discuta se isso prejudica negociações coletivas. Um estudo da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) constata que valores de reajustes salariais em 2017 e 2018 foram maiores na negociação descentralizada e direta entre empresa e o sindicato.

Quanto à negociação individual, Portugal destacou que envolve apenas 2,9% de todos os empregos formais e, destes, 77% são profissionais com alta qualificação com interesses mais individualizados.

"A reforma trabalhista, o teto de gastos públicos e a taxa de juro de longo prazo ser uma taxa de mercado são três reformas de mercado que já tiveram e vão continuar tendo um impacto positivo muito importante para a economia brasileira", afirmou.

Para Portugal, não é necessário ajustes na reforma trabalhista. Na mesma linha, o secretário do Trabalho, Bruno Dalcolmo, sinalizou que o governo vai avançar em simplificação e desburocratização do mercado de trabalho. Exemplificou que há 2 mil documentos apenas no Executivo para disciplinar o funcionamento do mercado de trabalho, e 6.800 diferentes tipos de multas que podem ser aplicadas.

Para a CNI, o Brasil foi incluído na lista de países supostamente violadores de direitos trabalhistas por "um viés político". O governo brasileiro acusou o sistema de controle da Comissão de Aplicação de Normas de "não ser transparente, nem imparcial nem inclusivo". Dalcolmo avisou que o Brasil vai examinar "todas as opções" se não houver mudanças, cobradas também por países como a Índia. Alertou que há um limite à participação do Brasil, se o diálogo não for estabelecido entre as três partes na OIT - empregados, empregadores, governos - para contrabalançar o que chamou de "espírito tendencioso". Depois ele minimizou as declarações, dizendo que não fez ameaça e que o Brasil não avalia sair da OIT nem de qualquer convenção trabalhista.

"Isso foi blefe, mesmo. Eles querem é fazer isso", reagiu Lisboa, da CUT. "O que o governo brasileiro vem fazendo desde o ano passado é um ataque sem precedentes ao sistema de normas da OIT", disse. "Isso demonstra que o governo quer retroceder não só as relações laborais no país, mas nas relações internacionais." (Colaborou Juliano Basile, de Brasília)