Valor econômico, v. 20, n. 4777 , 22/06/2019. Política, p. A8

 

Pela governabilidade, Zema faz concessões e divide Novo em MG

 

 

 

 

 

Marcos de Moura

Souza e Malu Delgado

 

 

 

 

A direção nacional do Novo acompanha de perto os passos do governador Romeu Zema em Minas Gerais, único governante eleito pela sigla, de forma inesperada. O partido admite que não tem e não tinha quadros suficientes para administrar um Estado mais populoso que o Chile, com 21 milhões de pessoas. A sigla se divide em uma ala pragmática, que aceita o uso de práticas políticas tradicionais para garantir a governabilidade em Minas Gerais e outra que prega o purismo e exige que Zema mantenha o governo distante dos tucanos e sem diálogo com o sindicalismo do funcionalismo público, predominantemente simpático ao PT. Guardadas as proporções é um dilema semelhante ao vivido por outro governo de minoria, o do presidente Jair Bolsonaro.

Candidato das eleições presidenciais de 2018, João Amoêdo, presidente nacional do Novo, tem vindo uma vez por mês a Belo Horizonte para se reunir com Zema e colegas de partido. Uma instância dentro do Novo, o Departamento de Apoio ao Mandatário (DAM), se encarrega de fazer o monitoramento da atuação de todos os filiados que exercem mandato eletivo, o que naturalmente coloca Zema em primeiro plano.

 

De acordo com o cientista político Christian Lohbauer, candidato a vice-presidente na chapa de Amoêdo na disputa presidencial e hoje um colaborador voluntário do partido, "o partido tem deficiência de experiência no que é o mundo público, sobre a realidade das estruturas públicas". Segundo ele, a maioria dos quadros do Novo é do setor privado e o partido se construiu em cima do slogan da austeridade. No entanto, as dificuldades da política diária exigem articulação e transição, ele pontua.

"Minas é a nossa vitrine. A nossa referência de administração. Todos os esforços do partido devem estar voltados para lá, ou deveriam estar", diz o cientista político. Se Zema se sair mal, afirma ele, afetará toda a estrutura do partido.

O Novo em Minas Gerais vem se dobrando a pressões de aliados e tentando adaptar suas bandeiras à realidade do governo do Estado. Zema já teve de voltar atrás em temas simbólicos da campanha. Ele decidiu deixar que deputados estaduais deem a palavra final em relação aos nomes que ocuparão cargos de órgãos regionais. No Palácio Tiradentes, há uma expectativa de que essa concessão contribua para o avanço de projetos do Executivo na Assembleia Legislativa.

Zema precisa construir uma base na Casa. Hoje, de 77 deputados, apenas 21 (do PSDB, Novo, PV, PSL, PSB, PSC, Avante, PP e PHS) formam um bloco de apoio. Mesmo assim nem todos são votos garantidos. Até deputados do Novo já votaram contra interesses do governo. O partido tem três deputados estaduais.

Ex-empresário do setor varejista e da distribuição de combustíveis, Zema se elegeu no ano passado com a bandeira da austeridade com o dinheiro público. Falou em não fazer nomeações políticas, em só voar em aviões comerciais, em viver em uma casa alugada em Belo Horizonte (ele vivia até então em Araxá) e não no Palácio das Mangabeiras. Criticou o pagamento de jetons como forma de engordar salários de secretários que participavam de conselhos de administração de empresas públicas. E prometeu que ele e seus secretários abririam mão do salário até que o governo rearrumasse suas contas e voltasse a pagar em uma única parcela o salário dos servidores. Em série crise financeira, desde 2016 Minas parcela em até três vezes os salários do funcionalismo.

Ele iniciou seu mandato quebrando uma tradição: para escolher os secretários de Estado, recorreu à ajuda de profissionais de seleção de executivos. O único escolhido com bagagem política prévia foi o secretário de Governo, Custódio Mattos, do PSDB. Do PSDB também veio o líder do governo da Assembleia, o deputado Luiz Humberto Carneiro.

No próprio Novo, a presença de tucanos próximos a Zema foi visto com desagrado. Ainda que a direção do PSDB não tenha indicado os nomes ao governador, a imagem que ficou foi que o governo Zema estava de mãos dadas com o partido que comandou o Estado de 2003 a 2014 e que padece com os desgastes dos processos contra o deputado federal tucano Aécio Neves.

Com uma base frágil, Zema não quis correr o risco de perder os seis deputados do PSDB que estão ao seu lado e tratou do assunto com o governador de São Paulo, o tucano João Doria Júnior. Gustavo Valadares, deputado estadual em quinto mandato pelo PSDB, diz que a conversa não foi determinante para manter o partido com Zema. "Abandonar o barco agora seria dar as costas a Minas Gerais", disse.

O governador aprovou na Assembleia uma reforma administrativa que diminuiu o número de secretarias. No meio da discussão, no entanto, sobrou uma armadilha: os deputados mineiros proibiram que secretários de Estado tenham seus salários engordados com jetons - exatamente como pregava Zema na campanha e como defendia o Novo. O problema é que sem jetons, os salários de secretários de Estado caem de R$ 34 mil- limite do salário do funcionalismo- para cerca de R$ 10 mil - valor considerado insuficiente para manter uma equipe de técnicos bem formados no secretariado.

Zema então teve de voltar atrás. Vetou a proibição aos jetons e causou embaraço no Novo e aliados. "Votei com o governo e fui criticado pela própria base, fui chamado de vendido", conta o deputado estadual Guilherme da Cunha (Novo). Zema vetou também outra medida aprovada pelos deputados e que é pauta do Novo: a limitação de cargos comissionados em secretarias de Estado. Os vetos do governador voltaram para a Assembleia, que tem até o início de julho para avaliá-los.

Enquanto isso, Zema e o Novo se preparam para o que promete ser o grande teste de capacidade de articulação política de seu governo neste primeiro ano. Trata-se da votação de um duro pacote de ajuste fiscal, que deve incluir privatizações, restrições de ajustes salariais de servidores, aumento da contribuição previdenciária por parte do funcionalismo, entre outras medidas.

As medidas servirão para abrir caminho para a adesão de Minas ao chamado Regime de Recuperação Fiscal (RRF). O RRF foi criado pelo governo do então presidente Michel Temer para ajudar Estados em forte desequilíbrio em suas contas, como Minas Gerais. A previsão de déficit orçamentário do Estado para este ano é de R$ 18,6 bilhões. A adesão ao RRF - tida como fundamental pelo governo mineiro -- permitirá que o Estado deixe de pagar por até seis anos os juros da dívida que tem com a União. Em contrapartida, precisa adotar uma série de medidas de ajuste.

Um interlocutor de Zema disse ao Valor que a formação de um secretariado só de técnicos já reduziu muito a possibilidade de ocupação de cargos por indicações partidárias. As principais empresas controladas pelo Estado, a elétrica Cemig, a Companhia de Desenvolvimento de Minas Gerais (Codemig) e o Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG) também estão sob o comando de executivos de mercado, blindadas de indicações políticas.

O que sobrou foram cargos de órgãos regionais do governo em diversas cidades nas áreas de Educação, Saúde, Desenvolvimento Econômico e Meio Ambiente. Ao todo são 106 postos. A decisão do governo foi listar os candidatos mais bem avaliados pelas equipes de RH e apresentá-los aos deputados mais votados em cada região dos cargos disponíveis. Apenas deputados que já estão com o governo ou que tendem a votar com o governo terão a possibilidade de dar a palavra final sobre essas nomeações. "É adaptação à realidade política", responde o presidente do Novo em Minas Gerais, Bernardo Santos.

Custódio Mattos, é o responsável pela costura entre as secretarias com vagas regionais e as lideranças políticas. "O objetivo é ouvir as vozes políticas regionais para a composição do governo nesses locais", afirmou ele, por meio de nota. "Não existe contrapartida relacionada à análise de projetos na Assembleia Legislativa."

Pela lógica eleitoral, é importante para deputados terem apadrinhados em postos do governo nas regiões onde são mais votados. São eles que, em geral, ajudam a fazer o jogo político local e a manter a boa imagem dos parlamentares entre os eleitores. A dúvida que circula entre deputados mineiros é se as equipes de RH selecionarão gente disposta a jogar esse jogo.