Valor econômico, v.20, n.4773, 17/06/2019. Política, p. A6

 

Cresce desconforto com associação do Exército ao governo Bolsonaro 

Andrea Jubé 

Carla Araújo 

Fernando Exman 

17/06/2019

 

 

A nomeação do general Luiz Eduardo Ramos, um quadro da ativa, para a Secretaria de Governo, aumenta a dificuldade do Exército de dissociar sua imagem do governo Jair Bolsonaro. Cresce na caserna o desconforto com a associação automática da instituição ao governo, diante do número expressivo de generais no primeiro e segundo escalão. Embora a maioria esteja na reserva, com a chegada do novo ministro serão dois os oficiais da ativa com assento no Planalto: o general Ramos e o porta-voz da Presidência, Otávio Rêgo Barros.

Nos bastidores, generais da ativa reconhecem que a iminente posse de Ramos - que é general quatro estrelas, no topo da carreira - agravará o cenário de confusão entre governo e instituição. "Será o maior teste para distinguir um do outro", afirma um oficial da ativa ao Valor.

O general Richard Fernandez Nunes, responsável pelo Centro de Comunicação Social do Exército (CCOMSEx), diz que é um "desafio enorme" descolar a imagem da instituição do governo. Ele explica que a diretriz do comandante do Exército, general Edson Leal Pujol, é conduzir a força como uma "instituição de Estado, coesa e integrada à sociedade". "Todos os esforços devem ser realizados no sentido de fortalecer a imagem do Exército como uma instituição de Estado, ele repete isso", reforça.

Nunes acrescenta que a autonomia das três Forças está consagrada no artigo 142 da Constituição Federal, que as resguarda como "instituições nacionais permanentes e regulares", e que se destinam "à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem". "Essa missão é ponto de honra".

As publicações do general Eduardo Villas Bôas também contribuem para confusão entre as instituições. Recentemente, o ex-comandante do Exército postou em sua conta pessoal no Twitter uma mensagem de apoio ao ministro da Justiça, Sergio Moro. "Momento preocupante o que estamos vivendo, porque dá margem a que a insensatez e o oportunismo tentem esvaziar a operação lava a jato (sic)", escreveu.

Embora haja uma conversão de pensamentos, Nunes pondera que Villas Bôas não fala pelo Exército. Além disso, como o general está atualmente nomeado como assessor especial do ministro Augusto Heleno no Gabinete de Segurança Institucional (GSI), falaria por si e pelo governo, completa. Nunes reconhece, entretanto, que depois de dedicar mais de 50 anos de sua biografia ao Exército, quando ele se expressa, é natural que haja uma identificação. "Aquilo que ele pensa foi construído dentro dessa corporação", argumenta.

A confusão entre governo e Exército extrapola a esfera federal. Nunes ressalta que os governos estaduais estão repletos de generais à frente de secretarias estratégicas. Ele relembra que o secretário de Segurança Pública de São Paulo é o general da reserva João Camilo Pires de Campos, e acrescenta que os governos de Minas Gerais e do Paraná repetiram o exemplo.

"Entra a sociologia, temos que estudar isso. Numa visão mais pragmática, se as Forças Armadas têm alta credibilidade, angario capital político me associando à imagem militar", diz. Mas ele afirma que o fenômeno incomoda mais no plano federal, para onde se voltam as atenções. "Ninguém vai criticar um governador por ter um general como secretário de Segurança, mas vai criticar o presidente porque colocou um general neste ou naquele órgão", observa. "Isso realmente está mais adequado ao nosso momento político".

Nunes, que foi secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro durante a intervenção federal, argumenta que a imagem do Exército é tão positiva que durante a campanha eleitoral ninguém criticou as ações da força naquele período. Ao contrário, os políticos queriam tirar fotos com os generais. "A gente fugia de fotos, queriam acoplar a imagem à imagem da instituição".

O comandante Edson Pujol faz um contraponto ao antecessor ao optar pela discrição nas redes sociais - ele não mantém conta pessoal nessas mídias - e pelo discurso interno, com a prioridade de fortalecer a instituição. "Este é um ano que chamamos de pausa operativa, com ênfase para as atividades internas", explica.

Dessa forma, Pujol está percorrendo o país fazendo visitas de inspeção em unidades das cinco regiões. Pujol já visitou o Comando Militar do Norte, na Amazonia, a sede da Operação Acolhida, em Roraima, as obras da BR-116, conduzidas pelo batalhão de engenharia, e escolas militares no Rio de Janeiro. Agora visitará unidades no Nordeste e no Centro-Oeste.

Depois de uma fase de atividades intensas, como as várias operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLOs) no Rio de Janeiro, nos Jogos Olímpicos e em outros Estados, a única ação externa do Exército em andamento é a Operação Acolhida, de acolhimento aos imigrantes venezuelanos que buscam refúgio no Brasil da crise naquele país.

"Estamos num nível de maturidade, não percebo no momento cenários de emprego de GLOs. Os governos estão lutando com dificuldades, mas têm dado conta do recado", diz Nunes. "Com isso, estamos tendo tempo para cuidar da instituição, para treinamento e capacitação dos quadros", complementa. "Os governos passam, o Estado permanece e a instituição continua", conclui.

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General assume como "construidor de pontes"

Maria Cristina Fernandes 

17/06/2019

 

 

O general Luiz Eduardo Ramos, nomeado para a Secretaria de Governo no lugar do general Carlos Alberto dos Santos Cruz, desembarca hoje em Brasília para um encontro com o presidente Jair Bolsonaro. O general só deixará o Comando Militar do Sudeste ao tomar posse em seu gabinete do Palácio do Planalto.

O general ficará agregado, termo com o qual o Estatuto dos Militares denomina os oficiais à disposição de uma função civil. Passadas 72 horas de sua nomeação, Ramos preocupa-se em desfazer a leitura de que será um general com tropa numa função civil. Agregado, perderá direito a voto no Alto Comando do Exército, grupo formado pelos 16 generais quatro estrelas do país e liderado pelo comandante Luiz Edson Pujol. A saída de Ramos deixará o presidente desprovido de seu principal aliado no grupo.

O general disse a auxiliares que não enfrentou qualquer resistência do comandante do Exército para assumir o ministério. Pujol lhe teria dito que, apesar da relevância do Comando Militar do Sudeste, o maior do país, com sede em São Paulo, a missão que cumpriria a convite do presidente "é ainda mais importante para o Brasil". A ida do general para a reserva está programada para janeiro de 2022.

A expectativa no entorno de Bolsonaro é que a chegada do general Ramos ajude a desanuviar as relações no Palácio do Planalto. No dia seguinte à saída de Santos Cruz, o general Heleno Ribeiro, ministro do Gabinete de Segurança Institucional, deu demonstrações de stress ao acompanhar o presidente numa entrevista. Sentado ao lado de Bolsonaro, esmurrou a mesa ao se referir a declarações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pondo em dúvida a facada de que o então candidato do PSL foi vítima durante campanha em Juiz de Fora em setembro de 2018.

O general Ramos tem dito que a passagem pelo comando das forças brasileiras no Haiti, além da experiência à frente da Força Nacional de Segurança na Copa do Mundo e nas Olimpíadas o teriam preparado para situações de crise. Não teme as intricadas relações com o Congresso na negociação da reforma da Previdência. Usa as expressões "política é a arte do possível" e "sou um construidor de pontes" para se referir ao que será sua relação com o Congresso.

Ontem, o general se despediu de sua turma de motoqueiros Harley Davidson com um passeio que reuniu 210 motos até a Academia Militar das Agulhas Negras, em Resende (RJ), a 282 quilômetros de São Paulo.