Valor econômico, v. 20, n. 4778, 25/06/2019. Brasil, p. A5

 

Desigualdade na educação é alvo de novo indicador

 

 

 

Luciano Máximo

25/06/2019

 

 

 

A Fundação Tide Setúbal e acadêmicos lançam hoje em São Paulo o Indicador de Desigualdades e Aprendizagens (Idea), um novo instrumento de avaliação educacional que alia mensuração de aspectos de qualidade e desigualdade socioeconômica, racial e de gênero no ensino.

Com alcance nacional, a ferramenta é baseada em dados oficiais da Prova Brasil, referência para o cálculo do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), e se apresenta como um subsídio importante para formuladores de políticas públicas buscarem soluções para enfrentar o problema das desigualdades na educação brasileira.

Para um dos responsáveis pela construção do Idea, José Francisco Soares, professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e ex-presidente do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), o novo indicador representa uma evolução na forma como os resultados das avaliações educacionais são enxergados.

"A preocupação com a desigualdade na educação sempre existiu; o desafio agora é sintetizá-la e trazê-la para o debate. Educação de qualidade para poucos não é educação de qualidade. O país precisa que todos aprendam com qualidade para fazerem parte da força de trabalho e para terem uma vida plena. Educação de qualidade para poucos não tem impacto econômico. O debate agora chega neste momento. São duas dimensões de resultados que devem ser enfatizadas [de excelência de aprendizagem combinada com equidade]", diz Soares, que liderou uma equipe de pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) na concepção do indicador.

O cálculo do Idea abrange praticamente todos os municípios brasileiros e se concentra no ensino dos alunos no quinto e nono anos do ensino fundamental. Duas medidas-chave foram levadas em conta: nível de aprendizagem em português e matemática e nível de desigualdade entre grupos sociais, definida por informações socioeconômicas, de raça e gênero.

De acordo com uma amostra global do Idea, apenas 0,2% das cidades brasileiras combinam alto nível de aprendizagem e boas condições de equidade no ensino de matemática no quinto ano. Para português, o resultado também é baixo: 0,4% dos municípios analisados têm boas marcas de aprendizagem e igualdade. A situação piora no nono ano, ciclo final da segunda etapa do ensino fundamental. Há só 0,1% de municípios nessas condições para ambas as disciplinas.

Mauricio Ernica, professor da Faculdade de Educação da Unicamp e conselheiro consultivo da Tide Setubal, reforça que o Idea vai trazer à luz injustiças presentes no dia a dia da educação. "As aprendizagens escolares são muito importantes para os indivíduos aproveitarem as oportunidades criadas na sociedade. Com o Idea é possível verificar que o fato de alguém pertencer a um grupo social em um dado município altera suas chances de aprender o que deveria ter aprendido. Essas desigualdades não podem ser atribuídas às suas escolhas pessoais porque são características sociais, se impõem e alteram as suas chances de aprender. Isso é inaceitável, é injusto. O Idea é um retrato fino das nossas injustiças e nos convida a dois outros trabalhos fundamentais: entender como elas se produzem e implementar medidas para revertê-las", afirma.

A socióloga Maria Alice Setubal, presidente do conselho da Fundação Tide Setubal, acrescenta que a construção do Idea é uma das prioridades da organização social, com dedicação de mais de dez pessoas de perfis técnico e acadêmico. "Apoiamos a criação do Idea porque reduzir as desigualdades está no cerne do nosso propósito e atuação. Quando falamos em reduzir desigualdades, reforçamos a importância de que as oportunidades sejam oferecidas a todas as pessoas, independentemente de gênero, raça ou nível socioeconômico. Entre essas oportunidades, não temos dúvida de que o direito à educação seja um dos mais fundamentais. Por isso, celebramos o esforço do Idea em reconhecer e sistematizar a existência da desigualdade educacional, um problema complexo que exige a responsabilização e o trabalho conjunto de vários setores da sociedade para que possamos superá-lo."