Valor econômico, v.20, n.4785, 04/07/2019. Brasil, p. A4

 

Salles vê 'inconsistências' e admite que Fundo Amazônia pode acabar 

Luísa Martins 

04/07/2019

 

 

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e os embaixadores da Alemanha e da Noruega admitiram ontem, pela primeira vez, a hipótese de que o Fundo Amazônia seja extinto. As declarações foram dadas depois de uma reunião entre os três, realizada na sede do ministério, em Brasília.

Os dois países são os maiores doadores do mecanismo e têm sido contrários a mudanças no atual formato de governança do fundo. Em maio, Salles disse ter encontrado indícios de "inconsistências" em contratos do fundo. Os embaixadores, contudo, dizem ainda não ter recebido esse relatório. Auditorias empreendidas pelos doadores nunca identificaram distorções nos projetos e repasses do fundo gerido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

"Há, em teoria, a possibilidade de descontinuidade, mas aqui estamos falando sobre a continuidade, em melhor sinergia, e por isso estamos fazendo esse esforço", disse o ministro, ao ser questionado por jornalistas.

Depois do encontro, o embaixador da Noruega no Brasil, Nils Martin Gunneng, afirmou que a sobrevivência do Fundo Amazônia está ligada à participação do Brasil no Acordo do Clima de Paris.

"O fundo está baseado nas metas do acordo. A prioridade da Noruega é apoiar o Brasil a cumpri-lo, diminuindo o desmatamento e incentivando o desenvolvimento sustentável", disse Gunneng. Essa foi a primeira vez que os doadores tornaram pública uma condicionante à manutenção do apoio.

Durante a campanha, o presidente Jair Bolsonaro cogitou a saída do Brasil do Acordo de Paris, mas acabou mudando de ideia. Na semana passada, durante reunião do G-20 em Osaka, no Japão, anunciou que o país permanece no compromisso.

Salles e os embaixadores anunciaram que, em duas semanas, irão trocar minutas sobre os desenhos institucionais que acham mais adequados para a gestão do Fundo Amazônia, com o objetivo de chegarem a um consenso.

A reunião de ontem foi mais um round nas discussões sobre a futura governança do Fundo Amazônia e de seu Comitê Orientador (Cofa). As negociações andam vagarosas diante da troca no comando do BNDES, que gerencia os R$ 3,4 bilhões em recursos já aportados no fundo, e das férias de verão na Europa, que atrasam o contato das embaixadas com Oslo e Berlim.

"Existe a possibilidade de descontinuar o Fundo Amazônia, mas queremos evitar. O ministro precisa de mais tempo para falar com o novo presidente do BNDES, então aguardaremos até meados deste mês uma resposta para as nossas perguntas", afirmou o embaixador alemão no Brasil, Georg Witschel.

Ele informou que, da conversa com Salles, ficou estabelecido que a "arquitetura" do sistema do fundo será, "em linhas gerais", mantida. Porém, preferiu não entrar em detalhes, nem pormenorizar quais seriam as mudanças que a Alemanha será irredutível em não aceitar.

"Por enquanto, estamos felizes porque o Brasil declarou, no G-20, que, sim, vai ficar dentro do Acordo de Paris", resumiu.

Ainda há, no entanto, diversas insatisfações por parte dos embaixadores com os rumos que o governo federal quer dar ao Fundo Amazônia. Uma delas é em relação ao Cofa, que deixou de existir na sexta-feira por força de um decreto de Bolsonaro. O comitê era o responsável por definir como os recursos seriam aplicados para a conservação da floresta.

"Foi uma surpresa a extinção do Cofa. Isso implica em um impasse para a manutenção do fundo", reconheceu o embaixador norueguês.

Salles afirmou que a contratação e a execução de projetos para a Amazônia pautados pelo Cofa no passado continuam em andamento, mas "novos projetos, que dependem de um novo conselho, não estão em atividade".

O Fundo Amazônia não teve nenhum projeto aprovado neste ano. O processo de escolha de novas iniciativas, encaminhado em 2018, está paralisado. Estão represados ao menos R$ 350 milhões para programas de aumento de produtividade e renda de agricultores familiares e monitoramento do desmatamento.

O ministro declarou também que, na reformulação do Cofa, pretende aumentar o número de representantes do governo, com o objetivo de uma "gestão mais eficiente", mas a medida também é alvo de críticas.

"Governos sozinhos não conseguem reduzir o desmatamento", escreveram os embaixadores em carta recentemente enviada a Salles e ao então ministro da Secretaria de Governo, Carlos Alberto dos Santos Cruz.

Outro ponto que desagrada à Noruega e à Alemanha é a intenção do governo Bolsonaro de usar verba do fundo para pagar indenizações a proprietários de terras localizadas em áreas protegidas. A medida é vedada pelas regras do Fundo Amazônia desde a sua criação, em 2008.

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Desmatamento aumenta 57% em junho, diz Inpe 

04/07/2019

 

 

O desmatamento na Amazônia no mês de junho foi cerca de 57% maior do que no mesmo mês do ano passado, segundo dados do Deter, sistema de alertas de desmatamento do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). Os dados do mês passado, por enquanto, só vão até o dia 28 - o que pode ainda causar alterações no crescimento da taxa.

No mês de junho, foram desmatados cerca de 769 km2, ante aproximadamente 488 km2 em 2018, segundo o Deter.

As taxas apontadas pelo Deter são diferentes do nível de desmatamento consolidado publicado anualmente por meio do Prodes, também do Inpe.

"O Deter é um dado oficial que pega o pulso do desmatamento mensal", diz Carlos Souza, da ONG Imazon. Ele explica que, no caso do Prodes, as melhores imagens de satélite (com menor interferência de nuvens) são selecionadas e analisadas para que dados mais precisos sejam obtidos.

Segundo análise ainda em processo da Imazon, de agosto do ano passado a junho deste ano, houve um aumento de desmatamento de cerca de 8%, quando comparado ao mesmo período anterior.

O desmate na Amazônia vem apresentando tendência de expansão desde 2012, quando atingiu seu menor valor histórico.

No ano passado (considerando o período entre 2017 e 2018), a destruição da Amazônia atingiu o maior patamar da última década, com 7.900 km2 de floresta derrubados, 14% mais que no período anterior (2016-2017).

Souza afirma que é alta a probabilidade de novo aumento no desmatamento em relação ao período anterior.