Título: Pobreza extrema perto do poder
Autor: D'Angelo, Ana; Castro, Grasielle
Fonte: Correio Braziliense, 22/09/2012, Economia, p. 15

Cecília Maria de Freitas Souza, 42 anos, não tem emprego. Ela está entre os 6,7% de brasileiros sem trabalho que figuram na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad). Ainda assim, garante a sobrevivência de seis filhos, que moram com ela em uma casa de um cômodo, de alvenaria e madeira, em Ceilândia (DF). Piauiense, veio à capital do país para fugir da seca do sertão, mas, por falta de dinheiro, ainda sofre com a escassez de água. Apesar de ocupar uma residência com encanamento e esgoto, não tem renda suficiente para ter direito a banho e água potável. Todos os dias é obrigada a pedir ajuda aos vizinhos para não morrer de sede. Estoca todo o líquido que pode em garrafas de plástico em uma geladeira antiga.

A desempregada e os filhos aparecem em segundo plano no Brasil apresentado na Pnad. Cecília não viu a renda do país crescer nem sabe o que é a nova classe média. Ela está entre os milhões de brasileiros sem máquina de lavar ou filtro de água. "Eu sou analfabeta, mas tento botar na cabeça dos meus filhos que estudo é muito importante, que, indo para a escola, eles vão ter o que eu não tive", conta. Um dos meninos de Cecília, Denilson, deixou o colégio aos 14 anos. Está prestes a fazer 15 e não deve voltar tão cedo. "Tive de tirá-lo porque sofreu ameaças. Fiquei com medo do que podia acontecer", justifica.

"Palhaçada" Esse cenário de pobreza extrema não está longe de quem planeja o país. Fica a apenas 36 quilômetros do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Apesar da proximidade, Cecília garante que não recebe um único benefício social. Quando a situação aperta, corre para um Centro de Referência da Assistência Social (Cras) ou para uma igreja e pede o que mais for possível carregar. O ex-companheiro, um catador de lixo, leva alguma comida e dinheiro para a família sempre que pode.

Ainda mais próximo do centro do poder, na Quadra 12 da Estrutural, a família da aposentada Maria das Graças Rodrigues Lopes, 43 anos, vive em uma rua sem asfalto e sem rede de esgoto. "A poeira é tamanha que tem dia que é preciso lavar a roupa à noite, senão, não há como elas ficarem limpas enquanto secam no varal", conta. Uma fossa serve de banheiro para a família, e a água da pia da cozinha desemboca na rua mesmo. "Água tem, mas falta uma ou duas vezes por mês, no mínimo", reclama. "Vem governo, muda governo e a situação de quem mora aqui não melhora. Continua a mesma palhaçada", critica. (VM e RH)

» Levantamento vai mudar

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) deixará de apurar no ano que vem a versão anual da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad). O levantamento tradicional será substituído por trabalho contínuo, com divulgações completas a cada trimestre e mais enxutas a cada mês, com dados relativos apenas à desocupação. A última Pnad nos moldes atuais será liberada em setembro do ano que vem. "Desde outubro de 2011, implantamos a Pnad contínua, que passará a fazer, mensalmente, o que a Pesquisa Mensal de Emprego faz. Então, teremos trimestralmente uma divulgação mais agregada, com mais informações, e, mensalmente, o que a PME faz, os dados sobre desocupação", explicou Cimar Azeredo, coordenador de Trabalho e Rendimento do IBGE. A intenção é dar mais abrangência territorial aos dados do emprego e tornar mais dinâmica a divulgação das informações levantadas pela Pnad. "A grande crítica em relação à PME é não ser uma pesquisa nacional. E a maior crítica à Pnad é de ela não ter divulgações periódicas", assinalou.