Valor econômico, v.20, n.4785, 04/07/2019. Brasil, p. A10

 

Vinho e leite terão ajuda para disputa com Europa 

Fabio Murakawa 

04/07/2019

 

 

As cadeias produtivas do vinho e do leite ganharão incentivos governamentais para competir com os produtos importados que chegarão em maior volume com a entrada em vigor do acordo de livre-comércio firmado na semana passada entre o Mercosul e a União Europeia (UE).

A informação foi dada ontem pela ministra da Agricultura, Tereza Cristina. Ela admitiu que esses dois setores estão entre os ramos do agronegócio com mais potencial de ser afetado pelas regras que entrarão em vigor.

A ministra anunciou a criação de um fundo de R$ 150 milhões para "aumentar a competitividade" da indústria nacional de vinhos. Segundo ela, o fundo terá recursos do IPI cobrado do produto nacional e do importado.

A verba poderá ser usada para renovar videiras, equalizar juros de financiamentos e logística.

Para entrar em vigor, o programa precisará do aval do Congresso Nacional. Caberá ao presidente Jair Bolsonaro decidir se editará medida provisória ou se enviará projeto de lei aos parlamentares.

Segundo o secretário de Comércio e Relações Internacionais do ministério, Orlando Leite Ribeiro, "a ideia não é dar ao setor uma boa vida". O objetivo, disse, é tomar iniciativas que possam fortalecer o setor "para que, uma vez encerrado o prazo [de desgravação das tarifas], a gente possa ter melhores condições de competitividade".

Pelo acordo, a tarifa de importação de vinhos será zerada em oito anos para garrafas de até cinco litros. O champanhe seguirá a mesma regra. Atualmente, a tarifa de importação de vinho é de 27%.

No caso dos espumantes, a tarifa será zerada após 12 anos. Porém, só serão beneficiados os produtos importados a US$ 8 FOB ("free on board", em que a responsabilidade do exportador acaba quando a mercadoria entra no navio) o litro. A ministra afirmou que o preço do espumante brasileiro está abaixo dos US$ 8, o que ajuda a resguardar parte do mercado nacional.

Já os produtores de leite ganharão isenção de tarifas de importação de máquinas e equipamentos.

A medida visa ajudar um setor que já sofre com a falta de eficiência em comparação aos parceiros de Mercosul. "O acordo é uma boa oportunidade para o setor se modernizar, e o governo precisa ajudar nisso", disse a ministra. "Esse setor precisa ser mais competitivo interna e externamente."

Máquinas como teteiras, resfriadores e robôs terão a tarifa de importação baixada a zero. A medida independe do aval do Congresso.

O acordo zerará as taxas de importação de leite em pó em dez anos, assim como nos casos da fórmula infantil e dos queijos. Nesse período, haverá cotas para importação. A única exclusão foi a muçarela, a pedido do Uruguai.

"O acordo abre grandes oportunidades para a gente ter agregação de valor nesses produtos. Por isso é preciso tempo para acordo acontecer", afirmou.

Ela disse que, por isso, o Mercosul barganhou "um tempo maior para que setores se adaptem a essa realidade, mas sabendo que no longo prazo teremos um mercado livre". "Se amanhã tivermos uma enxurrada de entrada de leite, nada impede de adotarmos medidas de salvaguarda", afirmou.

Ministra e secretário se irritaram ao serem questionados por um repórter estrangeiro sobre o manejo da questão ambiental pelo governo. Tereza Cristina disse que o Brasil terá que mudar sua comunicação para combater o "ideologismo" que o coloca como um país que agride o ambiente.

"O Brasil vai ter que mudar sua comunicação lá fora e mostrar o que temos de fato, qual a verdade de fato sobre o ambiente. Vamos tirar o ideologismo que denigre a imagem do Brasil como transgressor do ambiente que ele não é", disse. "Acho que temos que levar a imagem do Brasil correta lá fora. Tem muita distorção na imagem."

Ela relativizou dados divulgados nesta semana pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que mostrou disparada no desmatamento da Amazônia em junho. "Esses dados precisam ser mais bem avaliados e jogados de maneira mais honesta lá fora", disse. "Nós não podemos cair nessa histeria que existe em torno do ambiente sem ter certeza."

A ministra afirmou ainda não ver problema na imposição europeia de que o país se mantivesse no Acordo de Paris, sobre o clima, para que o acordo com o Mercosul fosse fechado.

"O Acordo de Paris é uma coisa que não causa nenhum tipo de problema para a agricultura brasileira. A agricultura brasileira sabe que pode cumprir", afirmou.

Mas, a exemplo do que já o fizera o chanceler Ernesto Araújo, ela cobrou os europeus por desembolsos previstos no acordo.

"Quero perguntar quem está cumprindo do lado de lá, porque vale para todo mundo. Todos são signatários do Acordo de Paris: Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai, Bélgica, Alemanha e França", afirmou. "Tem que ver o que cada um depositou e se esse valor é justo quando ele estiver em cima da mesa. Nós podemos cumprir com vários acordos, não só com o de Paris."