Valor econômico, v.20, n.4785, 04/07/2019. Opinião, p. A16

 

Uma estratégia de retomada da economia 

Carlos Von Doellinger 

04/07/2019

 

 

Os resultados mais recentes do nível de atividade econômica parecem indicar taxa de crescimento do PIB próxima de 1% em 2019, inferior ao resultado de 2018. Para muitos analistas, uma desagradável indicação de estagnação.

Há um consenso de que a recuperação dos investimentos, da produtividade global dos fatores, da competitividade e consequentemente do crescimento mais robusto da atividade depende da entrega de resultados razoavelmente convincentes para as principais reformas do Estado, a começar pela reforma da previdência, seguida do "pacto federativo", da reforma tributária, do ajuste patrimonial do Estado (privatizações), da abertura da economia e de uma ampla agenda microeconômica voltada à redução do chamado "custo de transação" e da revitalização do setor privado.

Todavia, cresce a impaciência dos principais agentes da economia, nomeadamente no setor privado, nacional e estrangeiro, por conta da eventual demora dos resultados esperados. Cresce, portanto, o clamor por medidas que possam ajudar a recuperar os níveis de atividade enquanto se aguarda os resultados.

A grande pergunta é se seria possível implementar desde logo algumas medidas de estímulo que não colidam com a racionalidade da estratégia pretendida e que não configurem mais um dos muitos "voos de galinha" das últimas décadas. Ou seja, algo que seja perfeitamente compatível com os fundamentos macroeconômicos imprescindíveis ao crescimento sustentado, na forma como estão propostos na atual agenda das reformas.

Nesse sentido vale uma breve retrospectiva histórica de um período vivido em meados dos anos 80, que ficou conhecido no seu todo como a "década perdida", mas que, no entanto, contou com uma fase favorável de crescimento, antes que a "marcha da insensatez" dos planos econômicos de combate à inflação sem ajuste fiscal levassem tudo a perder.

Foi no período 1984-86, depois de três anos de recessão causada pela necessidade de ajustes na esteira da crise da dívida externa, que a atividade econômica logrou manter crescimento médio de 7% ao ano. Um resultado significativo e que nos dias hoje parece até um sonho de uma noite de verão!

Como aquilo foi possível? O ano de 1983 havia sido muito sofrido em função dos ajustes patrocinados pelas condicionalidades exigidas pelo FMI para a recuperação do setor externo da nossa economia. E de fato não havia muita escolha naquela época. Nossas reservas cambiais chegaram rigorosamente a "zero". A economia estava na UTI.

Foi naquele ano, porém, que o governo propôs uma estratégia de recuperação da economia apoiada em três pilares básicos: investimentos em energia, para superar os efeitos da crise do petróleo e estimular fontes alternativas, como o programa "Proálcool"; estímulos ao aumento da produção agropecuária, para aumento da oferta interna e das exportações; e políticas mais incisivas de aumento das exportações em geral, para maior oferta de divisas (recuperando nossas reservas cambiais) e maior impulso ao crescimento do PIB.

Os resultados foram expressivos. Embora o ajuste fiscal tivesse ficado prejudicado pelo fraco desempenho do acordo com o FMI após 1985, a economia experimentou crescimento de 5,4% em 1984, 7,8% em 1985 e 7,5% em 1986. Nesse último ano, é claro, ajudada pela euforia inicial com o congelamento dos preços no Plano Cruzado.

Muito colaboraram para os bons resultados do PIB as condições favoráveis do ciclo de crescimento da economia mundial naquele período, nomeadamente o forte crescimento dos preços das principais "commodities" produzidas e exportadas pelo Brasil.

Estamos, talvez, em condições semelhantes de nos beneficiar de uma estratégia de recuperação baseada nesse mesmo tripé: energia - o provável efeito do "boom" de produção de petróleo com o pré-sal, novas descobertas recentes e o possível "choque de energia barata" com maior utilização do gás natural; agricultura e exportações, tanto pelos efeitos de um ciclo favorável de cotações das nossas principais "commodities" como pelas possibilidades que podem surgir com a agenda da abertura da economia e os impulsos provenientes de mercados complementares ao Brasil, notadamente China e União Europeia, neste caso pela via de um acordo no âmbito do Mercosul, e possivelmente Japão.

Vejamos alguns fatos e dados recentes. Os preços das "commodities" exportadas pelo Brasil subiram 1,53% em abril, e 2,57% em março, segundo dados do Banco Central, com isso acumulando alta de 10,97% em 12 meses. No caso dos produtos agropecuários, o índice IC-Br indicou alta ainda mais elevada, de 14,34% em 12 meses. Já no grupo "petróleo, gás, carvão" as altas foram de 3,56% em abril, 3,24% no ano e 8,17% em 12 meses.

Nos últimos dois meses outro indicador, o índice Bloomberg de "commodities" agrícolas, cotadas em dólar, mostrou alta de quase 10%, embora no período mais longo (um ano) tenha sofrido depreciação.

Essa evolução recente reflete alguma pressão da demanda mundial por esses produtos (em grande parte pela China), que poderá beneficiar nossas exportações. Algo semelhante ao que ocorreu entre 1984-1986.

No setor de energia, os investimentos programados para a extração das reservas de petróleo do "pré-sal", pela Petrobras e concessionárias privadas podem ter efeitos importantes nas regiões produtoras e efeitos induzidos na economia como um todo, até pelos efeitos multiplicadores dos investimentos. Há ainda a já citada possibilidade de um "choque de energia barata" pela maior utilização e pelo menor preço do gás natural.

A política de exportações talvez mereça um foco mais acurado. Depois de uma longa ausência de uma estratégia compreensiva de promoção de exportações, nos últimos meses o governo tem tido sucesso em finalizar os acordos comerciais do Mercosul com a União Europeia, o que abre amplas perspectivas para nossas exportações. Por outro lado, as iniciativas recentes de entendimentos com a China, nosso principal mercado externo, parecem finalmente oferecer boas perspectivas.

No que toca aos produtos minerais, matérias-primas em geral e produtos manufaturados, há também necessidade de maior apoio no sentido do aproveitamento das condições favoráveis que possam surgir, nomeadamente pelos órgãos de promoção comercial, para uma estratégia mais compreensiva e eficaz de médio e longo prazo.

Enfim, as sugestões apresentadas são no sentido de se formular uma linha de prioridades estratégicas em apoio aos esforços do setor privado, mas que sejam compatíveis, na verdade complementares, com o encaminhamento das reformas do Estado e da abertura da economia, visando uma retomada mais rápida dos níveis de atividade da economia.