Valor econômico, v.20 , n.4808 , 27/07/2019. Brasil, p. A2

 

Índia veta Brasil na OMC em meio a demandas de Donald Trump

 

 

 

Assis Moreira

​27/07/2019

 

 

A Índia vetou o Brasil para a presidência da única negociação multilateral em curso atualmente na Organização Mundial do Comércio (OMC), sobre subsídios para o setor pesqueiro, podendo causar mais fricção diplomática se a posição for mantida. O racha entre os dois grandes emergentes tem como pano de fundo a decisão do Brasil de abrir mão do tratamento especial e diferenciado (TED) de país em desenvolvimento na OMC. É algo que o presidente dos EUA, Donald Trump, voltou a exigir dos emergentes na sexta-feira.

Em visita a Washington, em março, o presidente Jair Bolsonaro aproximou-se de Trump com uma barganha que incluiu o Brasil abdicar desse tratamento na OMC em troca do apoio americano para entrar na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

O TED significa mais prazo para um país implementar compromissos comerciais, menor corte de tarifas de importação, possibilidade de dar mais subsídios para seus produtores, por exemplo. Para o governo Bolsonaro, nada disso ajudou o país a incrementar o comércio com o resto do mundo e não haverá perdas sem o mecanismo.

Mas na OMC persiste uma "super-polarização" sobre o tema. Índia, China e África do Sul, principalmente, insistem que o TED é um direito inalienável dos países em desenvolvimento, sem fazer distinção entre eles. Já o Brasil repete que o mecanismo é dinâmico e que abdicou dele para futuros acordos comerciais. No Conselho Geral da OMC, na semana passada, os EUA elogiaram a postura do Brasil, sinalizando que o país tomava uma posição avançada na reforma da OMC.

Mas, na quinta-feira, em manobra paralela na entidade, veio o veto indiano contra o Brasil para a presidência da negociação visando proibir certos subsídios ao setor de pesca, que experimentados negociadores vincularam rapidamente à posição brasileira sobre o TED.

O Grulac, o grupo de países latino-americanos, com direito ao cargo, recebeu o veto indiano como '"um acinte", segundo uma fonte, e manteve o nome do embaixador brasileiro Alexandre Parola como único candidato. Venezuela e Cuba não participaram, mas normalmente se abstêm em vez de bloquear decisões no Grulac. A Bolívia apoia a decisão do grupo pelo brasileiro.

Na OMC, as decisões devem ser por consenso. Nesta semana, novas articulações vão ocorrer para resolver o confronto aberto pela Índia. Em maio, o país comandado por Narendra Modi já tinha articulado uma reunião com ministros de cerca de 20 países em Nova Délhi para tentar criar uma frente contra vários aspectos de uma reforma da OMC e manter o TED inalterado para as nações em desenvolvimento em geral. O Brasil na ocasião não assinou o comunicado final dos indianos, ilustrando a direção oposta dos dois emergentes. A frente desejada pela Índia tampouco prosperou.

Na negociação sobre subsídios para o setor pesqueiro, a Índia insiste na manutenção de tratamento diferenciado, como ocorria em acordos comerciais anteriores - algo que os americanos indicam que não aceitam de jeito nenhum para os emergentes. Na sexta-feira, Trump orientou o representante comercial americano (USTR, na sigla em inglês), Robert Lighthizer, a "usar todos os meios disponíveis" para pressionar por uma reforma nas regras da OMC que evite que os países possam adotar status de "nação em desenvolvimento" se a sua força econômica não justificar a necessidade de tratamento especial.

Os EUA querem mudar a lista de países que se autodenominam "em desenvolvimento" e obtêm os benefícios do TED na OMC. Trump apontou países ricos que se beneficiam do mecanismo, como Emirados Árabes Unidos, Catar, Hong Kong e Cingapura, além de membros do G-20 (que reúne as maiores economias do mundo) como México, Coreia do Sul e Turquia.

Para os EUA, não dá mais para um país como a China, segunda maior economia do mundo, se esconder atrás de nações pobres como o Benin para obter benefícios na implementação de acordos comerciais. Isso inclui a margem para dar mais subsídios a seus produtores.

Hoje, a China é o país que mais fornece subsídios agrícolas. Foram US$ 206 bilhões em 2018, comparados a US$ 110 bilhões na União Europeia e US$ 44,3 bilhões nos EUA. A Índia também vem dando cada vez mais subsídios e foi denunciado pelo Brasil na OMC por ajuda ilegal a seus produtores de açúcar, o que derruba o preço da commodity.