Valor econômico, v. 20, n. 4802, 27/07/2019. Brasil, p. A2

 

País ocupa 'lanterna' em financiamentos do Banco dos Brics

 

 

 

Rodrigo Carro

Gabriel Vasconcelos 

27/07/2019

 

 

 

O Brasil respondeu por apenas 6% do volume total em empréstimos aprovados desde 2016 pelo NDB, o banco de desenvolvimento criado pelos Brics. O percentual equivale a menos da metade da participação de África do Sul (14%) e da Rússia (14%) na carteira de financiamentos da instituição. Em pouco mais de três anos e meio, o New Development Bank aprovou um total de US$ 10,2 bilhões em financiamentos para 38 projetos nos cinco países que compõem o bloco econômico.

China e Índia encabeçam a lista dos maiores tomadores de recursos, com US$ 3,86 bilhões em empréstimos e US$ 2,85 bilhões, respectivamente, de acordo com dados compilados pela economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Luciana Acioly, autora de um estudo sobre o NDB.

Até julho deste ano, o Brasil foi o único que teve aprovado um valor de empréstimos menor do que o montante que aportou. O país contribuiu com US$ 1 bilhão, assim como os demais membros da instituição financeira, e obteve US$ 621 milhões em financiamentos. A cifra se mantém inalterada desde o fim de 2018, uma vez que o Brasil ainda não teve projetos aprovados este ano.

"O Banco dos Brics já é uma realidade, com nível de capitalização alto e números crescendo ano a ano para aprovações de empréstimos, repasses e alavancagem", afirma Luciana. "É preciso que o Brasil reveja o uso que faz deste instrumento [NDB], sobretudo quando o próprio governo tem incorporado o discurso de que é preciso aumentar o investimento em projetos de infraestrutura, como os de saneamento."

Na reunião de ministros dos Brics realizada na última sexta-feira, no Rio de Janeiro, o chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, reconheceu que a participação do país no portfólio de empréstimos do NDB está "um pouco aquém" do esperado. "Há, sobretudo, razões técnicas para essa distância ainda em relação ao nosso objetivo de investimentos a partir desse banco. Não há nenhuma razão política", frisou o ministro das Relações Exteriores.

Na visão de Araújo, com a concretização de reformas estruturais, como a da Previdência, a economia brasileira deve voltar a crescer, o que faria avançar a participação do Brasil na carteira de financiamentos do banco. "Esperamos que o Banco dos Brics seja um parceiro muito relevante [no financiamento a projetos de infraestutura]", acrescentou ele.

Fonte que acompanha de perto a estruturação do NDB no país explica que houve uma decisão por parte dos países criadores de limitar a 30% da carteira o percentual empréstimos não garantidos pelo Tesouro Nacional de cada nação. Ou seja, 70% do volume precisam ter esse tipo de garantia. Sob pressão fiscal, o governo brasileiro teria pouco espaço para assumir compromissos financeiros dessa ordem, esclarece a fonte.

De fato, cerca de 84% dos empréstimos assinados nos três últimos anos foram garantidos pelos tesouros dos países acionistas ou instituições estatais, como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) no caso do Brasil. Só que essas garantias são dificultadas em cenários de restrição fiscal que atingem, pelo menos, Brasil, África do Sul e Rússia, ressalva Luciana Acioly, do Ipea.

Professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), José Roberto Afonso lembra que os últimos três anos foram de estagnação da economia brasileira e drástica redução da taxa de investimento. "Falta apetite dos empresários por investir e talvez também faltem bons projetos neste cenário", diz o economista. "Fazer hedge cambial [estratégia de proteção contra riscos cambiais] é muito caro no Brasil. É preciso esperar um grande retorno para captar no exterior (NDB) o que se pode captar aqui dentro (BNDES)."

Criado em 2015, o Banco dos Brics desembolsou apenas 2,8% do valor total aprovado para empréstimos entre 2016 e 2018 (US$ 8,1 bilhões). Para o Brasil, só foram repassados, de fato, US$ 67,3 milhões em abril de 2018. Na opinião de Luciana Acioly, a baixa taxa de desembolso não é problema, uma vez que o banco é novo e, como não tinha rating internacional nos primeiros anos, era bastante rigoroso em suas operações.

Além disso, a instituição optou por inovar com a adoção de um ritmo acelerado de aprovação de projetos. Perseguiu o exemplo da Corporação Andina de Fomento (CAF) de avaliar e aprovar projetos em até seis meses. O Banco Mundial, por exemplo, demora de 18 meses a dois anos para aprovar um projeto. Assim, no caso do New Development Bank, a carteira tem se expandido a uma velocidade bem maior que a dos desembolsos.