Valor econômico, v.20, n.4801, 26/07/2019. Especial, p. A12

 

Capital privado espera regras mais claras para investir 

Anai's Fernandes 

26/07/2019

 

 

Não faltam recursos, nacionais e estrangeiros, disponíveis para serem investidos na infraestrutura brasileira, potencial motor da retomada econômica do país. Continua a faltar, segundo especialistas, segurança jurídica e regulatória capaz de atrair capital.

Com a aprovação da reforma da Previdência encaminhada, o governo precisa trabalhar para esclarecer logo os seus planos para estimular o investimento privado no setor, num cenário de encolhimento do BNDES e restrição fiscal do setor público.

Isso passa por medidas como melhorar o arcabouço regulatório das concessões, atrair o investidor institucional (como fundos de pensão) para o mercado de debêntures incentivadas e ampliar a participação das seguradoras no processo. Há quem destaque a necessidade de se oferecer algum mecanismo de proteção cambial aos investidores estrangeiros, que aplicam recursos em obras no país que terão retorno esperado no longo prazo.

"Não há problema de recursos, e, enquanto outros setores têm ociosidade elevada, a infraestrutura tem excesso de demanda e deficiência de oferta", diz Carlos Antonio Rocca, diretor do Centro de Estudos de Mercado de Capitais da Fipe (Cemec-Fipe).

Cláudio Frischtak, presidente da consultoria Inter.B., reconhece o uso do chavão, mas diz que, "para bons projetos, não faltam recursos". "Há excesso, aqui ou lá fora", afirma ele.

Os gastos públicos com infraestrutura somaram apenas 0,68% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro em 2018, segundo cálculos da Inter.B - em 2013, antes da crise, chegavam a 1,08%.

Somado o investimento privado, os recursos aplicados no setor no ano passado representaram 1,85% do PIB. A previsão para 2019 é de algo como 1,9% do PIB. Os volumes não são suficientes nem sequer para cobrir a depreciação dos ativos.

A reforma da Previdência indica a investidores uma situação fimais controlada no horizonte do país. Isso faz com que eles voltem a olhar para o Brasil, mas a mudança no sistema de aposentadorias não coloca, sozinha, dinheiro na mesa. "É preciso ter maior segurança jurídica, mais previsibilidade regulatória, construir um pipeline [cronograma de ações]. São coisas de que o governo está razoavelmente ciente. Avançando nessa agenda, o financiamento vai junto", diz Frischtak.

Para Mauro Penteado, sócio de Infraestrutura do escritório Machado Meyer, ainda faltam diretrizes que tornem as concessões mais previsíveis. "Até hoje não existe regra clara para calcular os valores de indenizações das concessões problemáticas. Com um ambiente mais estável para as empresas, os bancos também ficam mais tranquilos e emprestam mais barato."

Contar com crédito dos grandes bancos, porém, tem limitações. "Os bancos privados já reiteraram várias vezes que têm captação de cinco anos em média, e não vão fazer financiamento de longo prazo para infraestrutura", diz Venilton Tadini, presidente-executivo da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib).

Investimentos em projetos de longo prazo - na modalidade project finance, em que a geração de caixa é a garantia do projeto - avançaram 21% no ano passado, para R$ 36,1 bilhões, segundo a associação das entidades dos mercados financeiro e de capitais (Anbima). O crédito com bancos, porém, não teve participação significativa entre as fontes de desembolso: 41% vieram direto do BNDES e 31% do mercado de capitais.

Edson Ogawa, superintendente-executivo de Project Finance do Santander, diz que o setor privado depende do governo em relação à capacidade de fazer estudos de projetos, estruturar concessões e obter aprovações de órgãos. "É um processo longo e, quando você aumenta a presença privada, tem o desafio de conseguir produzir esse pipeline de projetos em velocidade", afirma Ogawa.

"O governo precisa ter uma mensagem clara sobre infraestrutura, da mesma forma como teve sobre a Previdência e passa cada vez mais a ter sobre a reforma tributária. Ele tem de falar abertamente sobre o tema, principalmente para o estrangeiro, que precisa ver que há estratégia rentável apesar do ambiente político conturbado", diz Monica de Bolle, diretora do programa de estudos latino-americanos da Universidade Johns Hopkins, nos EUA.

Neste ano, foram realizadas 23 concessões, mas de projetos engatilhados ainda na gestão de Michel Temer. O ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, anunciou em meados deste mês investimento de R$ 208 bilhões, ao longo de 30 anos, em infraestrutura de transporte. Boa parte dos projetos já foi qualificada para o Programa de Parceria de Investimentos (PPI).

Se o país continuar com a mesma capacidade de investimento dos últimos anos, o mercado local "dá conta do recado", diz Penteado. "Se quiser aumentar exponencialmente, vai ter de acessar o mercado estrangeiro." Por isso, para ele, a prioridade do governo deve ser oferecer algum tipo de proteção cambial para as empresas que têm receita em real, mas tomam dinheiro emprestado em outras moedas.

"Temos acesso a esses mercados, eles querem emprestar para o Brasil, mas o que oferecem acaba sendo caro, porque a empresa contrata operação de hedge [proteção]", afirma Penteado.

Freitas já sinalizou que o governo gostaria de mitigar parte do risco do investidor estrangeiro nas concessões usando mecanismos financeiros do Banco Central para tornar mais atrativas as operações de swap (troca de rentabilidades) no mercado.

Uma ideia é mudar a tributação dessas operações. Conforme o Valor antecipou, o governo também considera a cobrança de "outorga variável". "O governo poderia dar uma garantia direta para pagar a diferença, usar reservas brasileiras, estipular um seguro meio a meio", diz Penteado.

A posição não é consenso. Para um economista e ex-diretor do BNDES que pediu para não ser identificado, a atuação do governo funcionaria, na prática, como um subsídio sem razão econômica. "Qualquer tipo de financiamento dessa forma tem embutido um risco associado à desvalorização, que é exatamente a diferença de taxas", afirma ele.

"Dá para o governo oferecer [proteção cambial], mas tem de seguir alguns princípios. Tem de ser simétrico, ou seja, se houver apreciação da moeda, então o poder concedente também ganha alguma coisa", diz Frischtak.

O governo prepara também modificações na legislação das debêntures incentivadas (títulos de dívida de empresas para financiar projetos de infraestrutura), para atrair recursos de fundos de pensão, de renda fixa e investidores estrangeiros.

Entre as propostas, estariam uma nova geração de papéis sem isenção de Imposto de Renda para pessoas físicas, mas com taxas de rentabilidade maiores, e o fim da taxação de IR sobre remessas de lucros com esses papéis. Desde 2012, quando houve as primeiras emissões, foram captados cerca de R$ 60 bilhões, montante considerado pequeno por Rocca, do Cemec-Fipe.

Frischtak diz que o setor precisa ainda contar com maior participação das seguradoras. Elas aguardam para este ano aprovação de projeto de lei que aumenta o limite de seguro-garantia para obras públicas vultosas, de 5% do valor de contrato para 30%.

A ideia é permitir a conclusão da obra em caso de dificuldades enfrentadas pela empresa, com a seguradora assumindo os direitos e as obrigações do contrato.

"Com 5% apenas, quase sempre a seguradora prefere pagar do que assumir a obra", diz Solange Vieira, superintendente da Superintendência de Seguros Privados (Susep). Dados da entidade mostram que, até maio deste ano, o seguro-garantia representava apenas 3,1% do mercado de seguros.