Supremo. Por 6 votos a 5, ministros da Corte rejeitam separar o julgamento de crimes comuns conexos com eleitorais; procuradores veem ‘duro golpe’ para Operação Lava Jato
Em uma derrota para a Lava Jato, o Supremo Tribunal Federal decidiu ontem, por 6 votos a 5, que crimes como corrupção e lavagem de dinheiro devem ser julgados na Justiça Eleitoral se estiverem relacionados a delitos de campanha, como caixa 2. O cenário é visto por procuradores como “um duro golpe na Operação”, algo desastroso para investigações criminais.
O julgamento do Supremo foi marcado por críticas dos ministros a integrantes do Ministério Público Federal. A Procuradoria-Geral da República argumenta que a Justiça Eleitoral não tem estrutura para processar crimes complexos, que exigem investigação aprofundada. A principal crítica se refere à possibilidade de prescrição dos processos, além do risco de anulação de atos já realizados pela Justiça Federal.
Coordenador da força-tarefa da Lava Jato, o procurador Deltan Dallagnol escreveu nas redes sociais que o STF “começa a fechar a janela de combate à corrupção”. Já o ex-juiz da Lava Jato, o ministro da Justiça e da Segurança, Sérgio Moro, disse que “respeita” a decisão da Corte, mas faz coro à PGR ao citar a falta de estrutura da Justiça Eleitoral para julgar casos criminais (mais informações na pág. A14).
O receio de procuradores da Lava Jato é o de que o julgamento do Supremo incentive recursos de investigados para anular decisões da Justiça Federal, sob a alegação de que seus casos deveriam ser apreciados na esfera eleitoral. Citam como exemplo processos contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ex-governador do Rio Sérgio Cabral.
Para o ministro Marco Aurélio Mello, isso só ocorrerá, porém, se ficar entendido que o juiz federal condenou alguém pelo crime de caixa 2, o que seria competência da Justiça Eleitoral. Em casos assim, o processo não seria perdido por inteiro. “Os elementos que servem à instrução criminal são aproveitados”, disse Marco Aurélio.
O voto de desempate no julgamento de ontem foi do presidente da Corte, Dias Toffoli, que minimizou o impacto da decisão. “Todos estamos unidos no combate à corrupção, tanto que são raros os casos de reversão de alguma condenação.”
Alexandre de Moraes disse que cabe à Justiça Eleitoral analisar, caso a caso, se há conexão entre os crimes. Se o entendimento for o de que não há relação, é possível haver a separação, enviando as suspeitas de corrupção para a Justiça comum analisar.
Além de Toffoli, Moraes e Marco Aurélio, os ministros Celso de Mello, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes votaram por manter casos de corrupção e lavagem na esfera eleitoral, quando associados a caixa 2.
Foram vencidos os ministros Edson Fachin, relator da Lava Jato na Corte, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Cármen Lúcia e Luiz Fux. Na visão deles, seria responsabilidade da Justiça Federal processar crimes como corrupção e lavagem, mesmo havendo conexão com delitos eleitorais.
“Faz pouca diferença, ao contrário do que se alardeia, distinguir se o dinheiro vai para o bolso ou se o dinheiro vai para a campanha, porque o problema não é para onde o dinheiro vai. O problema é de onde o dinheiro vem. E o dinheiro vem de uma cultura de achaque, corrupção e propina que se disseminou no País e que todo contrato público tem alguma autoridade levando vantagem indevida”, argumentou Barroso.
O ministro fez uma defesa da eficiência da Justiça Eleitoral, mas disse que não se pode comparar a estrutura de uma e da outra. “Dizer que a Justiça Eleitoral não é vocacionada para julgamentos criminais não significa desmerecê-la. Significa identificar uma vocação”, disse.
A decisão do Supremo, que cria uma jurisprudência para todos os demais processos, ocorreu na discussão de um caso específico envolvendo o ex-prefeito do Rio de Janeiro Eduardo Paes (DEM) e o deputado federal Pedro Paulo (DEM-RJ). O inquérito apura indícios de caixa 2, corrupção, lavagem e evasão de divisas. Com o entendimento da maioria, a investigação será encaminhada para a Justiça Eleitoral no Rio de Janeiro.
Ataques. O julgamento colocou em oposição a força-tarefa da Lava Jato e a maioria dos ministros da Corte. Diante das declarações de procuradores nas redes, que pediam que o STF “não matasse a Lava Jato”, os ministros reagiram .
O mais contundente foi Gilmar, que desferiu críticas a procuradores da República, afirmando ser “inadmissível” a tentativa de constranger juízes para que votassem da forma que desejavam. Ao se referir a procuradores, usou termos como “infelizes”, “reles” e “desqualificados”.
“É preciso combater a corrupção dentro do estado democrático, não exigindo delações, ameaçando pessoas. Assim que se instauram as milícias.”, disse o ministro. “É preciso ter cuidado com esses combatentes da corrupção, é preciso falar quanto ganham, que escritórios fazem os acordos É inadmissível tentar constranger juízes dessa forma, vazando informações, atacando pessoas.”
Os seis ministros que votaram pela tese vencedora na Corte destacaram artigo do Código Eleitoral segundo o qual cabe aos juízes desta esfera julgar os crimes eleitorais e os comuns que lhe forem conexos. O entendimento vinha sendo utilizado em julgamentos pela Segunda Turma do Supremo, que enviou, por exemplo, o inquérito aberto com base na delação da Odebrecht contra o senador José Serra (PSDB) para a Justiça Eleitoral de São Paulo, em agosto do ano passado. “Sempre o tribunal assim decidiu, nunca houve uma variação”, afirmou Gilmar.
'Raros'
“Todos estamos unidos no combate à corrupção, tanto que são raros os casos de reversão de alguma condenação.”
Dias Toffoli
PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, AO MINIMIZAR O IMPACTO DA DECISÃO DA CORTE