O Estado de São Paulo, n. 45804, 15/03/2019. Política, p. A14

 

Dallagnol aponta derrota da Lava Jato

Ricardo Brandt

Pedro Venceslau

Breno Pires

15/03/2019

 

 

 Recorte capturado

Procurador diz que ‘janela de combate à corrupção’ começa a ser fechada; para Moro, Justiça Eleitoral não tem estrutura para julgar casos criminais

Coordenador da força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba, o procurador Deltan Dallagnol criticou a decisão do Supremo Tribunal Federal que estabeleceu a competência da Justiça Eleitoral para julgar casos de crimes comuns em que houver crime eleitoral envolvido. Em mensagem publicada em rede social, ele afirmou que, com o resultado do julgamento, começa a se “fechar a janela de combate à corrupção política que se abriu há 5 anos”.

A mensagem foi publicada ainda no meio da tarde, antes do fim do julgamento, já com a expectativa de derrota no STF. Dallagnol também replicou comentário da procuradora regional da República Janice Ascari com críticas à decisão. Na sua postagem, ela escreveu: “Encerrado o julgamento do caso concreto, o @STF_oficial não se pronunciou sobre o impacto dessa decisão em todos os outros processos, já julgados ou em curso, em que há crimes eleitorais e não eleitorais. Envia-se tudo à Justiça Eleitoral? Anula-se tudo?”.

O ministro da Justiça e da Segurança, Sérgio Moro, também fez comentário sobre a decisão do Supremo. Ele afirmou que “respeita a decisão”, mas “persistimos no entendimento de que a Justiça Eleitoral, apesar de seus méritos, não está adequadamente estruturada para julgar casos criminais mais complexos, como de corrupção ou lavagem de dinheiro”. “Mas a decisão do STF será, como deve ser, respeitada”, acrescentou Moro, ex-juiz da 13.ª Vara Criminal de Curitiba, responsável pelo julgamento dos casos da Lava Jato.

Em entrevista dada semana passada ao Estado, Dallagnol chegou a dizer que uma decisão a favor do julgamento conjunto dos crimes pela Justiça Eleitoral seria “catastrófica” para a Lava Jato e outras operações de combate à corrupção. Segundo ele, o entendimento confirmado ontem pelos ministros do Supremo iria, “a um só tempo, arrasar as investigações passadas e futuras”.

O procurador Anselmo Lopes, da força-tarefa da Greenfield (que investigou fraudes em fundos de pensão de estatais), disse que foi “um dia triste para quem ainda acredita no Brasil”.

PGR. Em declaração dada também antes do final do julgamento, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, disse que não enxergava “neste momento” risco de anulação de decisões da Lava Jato. “Eu não vejo esse risco nesse momento. Mas é preciso avaliar tudo isso com muito cuidado e manter o foco. Não perderemos o foco contra a corrupção e contra a impunidade no país”, afirmou ela.

Na sequência, disse que, qualquer que fosse a decisão, iria respeitá-la. “Eu espero que a decisão de hoje (ontem) seja nesta linha que defendi (pela separação de competência no julgamento das

ações). Se não for, a minha instituição e eu também respeitarei essa decisão, mas é preciso também reorganizar as instituições com os instrumentos jurídicos que temos para continuar enfrentando o crime organizado, corrupção e lavagem de dinheiro.” A decisão do Supremo reforçou a demanda dos tribunais regionais eleitorais por mais investimentos em estrutura física e contratação de funcionários (mais informações nesta página). O TRE de São Paulo, que recebeu do Superior Tribunal de Justiça (STJ) inquérito sobre

suposto delatado caixa 2 pela de R$ Odebrecht 10,3 milhões para as campanhas de Geraldo Alckmin (PSDB) em 2010 e 2014, conta com cinco funcionários em cada um dos seus cinco gabinetes. Apesar dessa estrutura, considerada enxuta pelos juízes, o Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP) julga um terço dos processos eleitorais do País. “O corpo técnico da Justiça Eleitoral é muito preparado. Há um concurso específico para os funcionários. Eu diria, porém, que o volume de pessoas não é o suficiente. A gente já pediu aumento do número de cargos. Há um projeto de lei para isso”, disse ao Estado o advogado André Lemos Jorge, juiz titular do TRE-SP entre 2014 e 2016.

No Senado, o líder do PSL, Major Olímpio (SP), apresentou projeto para mudar o Código Eleitoral e o Código de Processo Penal e tentar reverter a decisão do Supremo – segundo ele, para “evitar possíveis impunidades”.

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O fator decisivo do voto dos ministros

Joaquim Falcão

15/03/2019

 

 

Qual o fator que mais influencia o voto do ministro do Supremo? Este foi o mistério de ontem. E de sempre. Em geral, os ministros afirmam que o fator decisivo é estar de acordo com a Constituição. Óbvio. Mas ontem a questão era mais complexa.

Dois artigos da Constituição brigavam entre si... Um estabelecendo a competência da Justiça Eleitoral. Outro estabelecendo a competência da Justiça Federal. Qual prevaleceria no caso?

Fux afirmou que eram “competências absolutas”. Ou seja, nenhuma pode ser anulada em favor da outra. Empate? Impasse?

Ou seja, apelar para a Constituição é condição necessária, mas não suficiente. Fundamenta, mas não resolve. E agora?

Rosa Weber escapou da armadilha do tudo ou nada. Teve como fio condutor de seu voto o reconhecimento da complexidade da decisão. Tudo depende dos fatos apontados.

Se for crime eleitoral, fica na Justiça Eleitoral. Não traz os outros consigo. E vice-versa. Simples assim.

Fux argumentou que antever as consequências dos votos é importante e influencia o voto. Ou seja, inexiste voto ou tese jurídica sem consequência política.

E a melhor consequência possível, a melhor tese jurídica é a que preenche o sentimento de justiça de paz, e não o de guerra dos cidadãos.

Se a maioria dos cidadãos quer um maior combate à corrupção, como demonstrou nas eleições e no apoio à Lava Jato, ontem não deve ter saído satisfeito.

Porque o fator decisivo dos votos foi o cálculo de cada ministro sobre a maior ou menor probabilidade de os crimes cometidos serem bem apurados. E, se for o caso, condenados os réus. Seja crime eleitoral ou federal.

Ganhou a menor probabilidade. Ou, pelo menos, aquela com mais pedras pelo caminho.

Importante é não perder de vista o combate à corrupção da aliança de “piratas privados”, “burocratas corruptos” e “criaturas do pântano político”, como diz o ministro Paulo Guedes.

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Apoio entre Maia e Bolsonaro pretere pacote anticrime

Renato Onofre

Breno Pires

Camila Turtelli

15/03/2019

 

 

Discussão sobre projeto do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, pode ficar para o segundo semestre

A Câmara pode deixar para o segundo semestre a discussão sobre o pacote anticrime do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro. O presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou a membros da bancada da bala ter acertado com o presidente Jair Bolsonaro adiar a tramitação da proposta e só criar uma comissão para analisá-la em até 90 dias.

A ideia é priorizar a votação da reforma da Previdência na Câmara, que nas contas dos parlamentares deve ir a votação entre junho e julho. Maia e o governo avaliam que a análise conjunta pode atrapalhar as discussões das mudanças nas aposentadorias. A interpretação contraria a avaliação de Moro ao apresentar o projeto, no mês passado. Na ocasião, disse que as duas propostas “não eram incompatíveis”.

Em um movimento que vai retardar a análise do pacote anticrime, o presidente da Câmara também decidiu juntá-lo a um outro projeto que também prevê medidas contra o crime organizado e foi discutido por juristas no ano passado. A proposta foi supervisionada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes.

Segundo o Estado apurou, a equipe de Moro não considera a junção das propostas como problema. Na pasta de Moro, a expectativa era da tramitação em conjunto à da Previdência e, até, com a possibilidade de ir ao plenário antes da proposta da equipe da economia. Interlocutores do ministro afirmaram à reportagem desconhecer o acordo e avaliaram que a tramitação da proposta não atrapalha a Previdência.

O pacote anticrime enviado pelo ministro, porém, é mais duro do que plano discutido por Moraes. O atual pacote, no geral, prevê o aumento da população carcerária, enquanto o discutido pelo ministro do STF visava reduzir o número de detentos. Entretanto, é mais transigente com organizações criminosas e não cita crime de corrupção eleitoral, o caixa 2.

A proposta de Moraes está parada na Câmara aguardando a criação de comissão temporária para analisar o projeto. Para discutir a fusão das duas propostas, Maia informou ao presidente da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, Capitão Augusto (PR-SP), que vai formar um grupo de estudo com “quatro ou cinco deputados” para analisar os projetos.

“Não vejo um atraso. Há pontos da proposta do ministro Moraes que nos interessam. Se a gente sentir que pode atrasar, separamos de novo”, disse Capitão Augusto ao Estado. “Entendo que elas podem caminhar juntas. Tenho conversado com o presidente (Bolsonaro) sobre isso. Semana que vem vamos montar o grupo para avaliar os próximos passos.”