Valor econômico, v.20, n.4804, 31/07/2019. Opinião, p. A14

 

Por um IVA-Dual 

Ernesto Lozardo 

Melina Lukic 

31/07/2019

 

 

A reforma tributária é tão urgente quanto a previdenciária. A previdência terá efeito direto na redução do custo do capital - juros financeiros - e na reversão contínua do crescimento da dívida pública federal. Ao passo que a tributária tem impacto direto na redução do custo do processo produtivo dos bens e serviços de consumo. Serão duas reformas que influirão diretamente na elevação da competitividade desses setores no mercado global, aumento da oferta, da empregabilidade da mão de obra e investimentos na produção. Será um novo e promissor cenário de desenvolvimento socioeconômico.

Há 30 anos tenta-se reformular o sistema tributário. Hoje, têm-se algumas propostas. Importa destacar que seja qual for o modelo almejado, ele deverá proporcionar a simplificação e eficiência na arrecadação, cobrança do imposto no destino do bem ou serviço consumido e eliminação da guerra fiscal. Mais adiante, assim que o novo sistema tributário estiver consolidado, deverá promover ampla redução da carga tributária. Isso será possível, pois a eficiência na arrecadação possibilitará a redução de impostos sobre esses dois setores. As principais propostas em discussão estão baseadas no sistema de imposto de valor agregado, o IVA, que existe em 170 países.

A crítica que se faz a esse imposto é que seu modelo não está adaptado às mudanças trazidas pela economia digital. Isso até pode ser verdade para certas transações, mas não há nada por enquanto que o substitua. Quando houver, adapta-se. Diante dessas ilações, será preciso ter prudência ao propor um sistema distinto do testado mundialmente. Importa ter um novo sistema conhecido e que atenda nossas características federativas; tornar a produção mais competitiva e elevar a empregabilidade, ao invés de se propor uma jabuticabeira tributária.

O sistema IVA produz crédito tributário na cadeia produtiva, o que evita a oneração em cascata e seu ônus econômico recai ao consumidor. Esta técnica reduz o custo da produção, diminuindo o preço do produto ao consumidor. Ao final, tem-se um ganho social importante.

Estão em discussão alguns modelos que propõem a implementação de um IVA. O mais conhecido é o que está na Câmara dos Deputados: a proposta de Emenda Constitucional PEC 45/2019, de autoria do deputado Baleia Rossi e baseada em projeto desenvolvido pelo Centro de Cidadania Fiscal (CCiF). O projeto versa sobre a criação de um único imposto sobre o consumo, o IBS, que representaria a unificação de três tributos federais - PIS, Cofins, IPI - o estadual, o ICMS, e o municipal, o ISS.

Inúmeras críticas têm sido feitas à PEC 45/2019, especialmente no que se refere à constitucionalidade da proposta. A Constituição brasileira não proíbe, no entanto, o rearranjo de competências, desde que respeitado o pacto federativo. Os entraves, portanto, são exclusivamente de ordem política.

É inegável que a PEC 45/2019 representa uma centralização política e administrativa. Se antes Estados e municípios tinham competência exclusiva sobre seus próprios impostos, com a proposta a competência passa a ser compartilhada. Esse procedimento pode representar a imposição da vontade política do ente mais forte, no caso, da União.

A arrecadação e o repasse tributário dos Estados, Distrito Federal e dos municípios seria de competência do Comitê Federal Gestor. Em um país de democracia jovem, com viés cultural intervencionista, a possibilidade de a União interferir nos repasses da arrecadação aos entes federados estará sempre presente. Esse procedimento poderá ainda gerar a necessidade de uma negociação política permanente e dependência administrativa dos entes federados.

Os Estados mais organizados da federação tendem a resistir à adesão a um IVA único federal. A transferência de competência tributária e capacidade administrativa ao Comitê Federal Gestor representará uma perda de independência. Os Estados com menor capacidade administrativa poderão até preferir a transferência dessa responsabilidade à União, mas isso deveria ter respaldo dos seus cidadãos. Estados como São Paulo e Santa Catarina, que têm grande capacidade administrativa na arrecadação, certamente não abririam mão dessa administração em prol do IVA único, mesmo que sob uma administração compartilhada.

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), na gestão anterior, desenvolveu um sistema tributário baseado no IVA, assegurando todos os requisitos fundamentais de isonomia, simplificação, eficiência e eficácia da arrecadação baseada no destino. A diferença é que, ao levar em conta os entraves mencionados, propõe uma dose de pragmatismo político-administrativo superior à PEC do Deputado Baleia Rossi. Trata-se do IVA-Dual. A proposta consiste em dois tributos do tipo IVA justapostos, sendo um de competência federal e outro estadual, e um imposto monofásico seletivo federal.

Na esfera federal, a ideia seria reunir os atuais impostos e contribuições PIS, Cofins e Cide em um IVA-Federal no destino e transformar o IPI em um imposto monofásico seletivo. Nas esferas estaduais e municipais, a proposta defende a unificação do ICMS e o ISS para se criar o IVA-Estadual e adoção do princípio de destino. Ademais, cria-se o Imposto de Venda a Varejo (IVV), um imposto seletivo, compartilhado entre Estados e municípios para que possam realizar políticas próprias de desenvolvimento. Cria-se também um fundo de desenvolvimento regional, coordenado pelos bancos públicos (BNDES, Caixa e BB). A vantagem é que a reforma não precisa ser feita de uma única vez, mas pode ser implementada de forma modular. Ao final, ainda se pode realizar uma harmonização dos Estados ao IVA-Federal para aqueles que assim optarem.

Neste modelo, as competências tributárias e capacidades administrativas seriam mantidas, o que respeita o pacto federativo constitucional e facilita o processo de aprovação política. Uma vez consolidado o IVA-Dual abre-se a possibilidade de redução da carga tributária. A proposta do Ipea é, portanto, politicamente mais factível ao defender a adoção de um IVA-Dual, baseado nas melhores práticas internacionais.