Valor econômico, v.20, n.4804, 31/07/2019. Especial, p. A16

Para embaixador, restrição a dados do Coaf afeta o ingresso do país na OCDE

Gabriel Vasconcelos 

31/07/2019

O delegado do Brasil junto às organizações econômicas internacionais, o embaixador Carlos Márcio Conzendey, reconheceu que a decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, de suspender investigações que utilizam dados bancários fornecidos pelo Conselho de Controle de Atividade Financeira (Coaf), sem autorização prévia da Justiça, pode atrapalhar a articulação para a entrada do Brasil na Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Após apresentar os esforços do governo para entrar no grupo, em seminário organizado ontem pelo Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), no Rio, Cozendey disse a jornalistas que, se mantida, a decisão pode ter impactos negativos na conformidade do país às recomendações do Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro (Gafi). Embora não integre a estrutura da OCDE, o Gafi foi criado há 30 anos, justamente pelos países-membros da organização e, hoje, conta com outras nações, como o Brasil.

"A previsão internacional, pelo Gafi, diz que todo país é obrigado a ter um órgão tipo o Coaf para acompanhar o combate à lavagem de dinheiro. Tem lá uma série de parâmetros do que esse órgão deve poder fazer. Se isso for modificado, teremos dificuldades nesse fórum", afirmou. Questionado se é interessante, para o pleito brasileiro junto à OCDE, que a atuação do Coaf não seja constrangida, ele foi categórico: "Sem dúvidas". Ele garantiu, no entanto, que nenhuma repercussão negativa sobre a decisão chegou aos seus ouvidos nos corredores da organização, em Paris.

O embaixador observou, ainda, que a decisão de Toffoli não é definitiva e será levada a plenário. "Isso ainda não foi julgado, a coisa ainda vai acontecer", disse. Na semana passada, Toffoli afirmou que pretende antecipar o julgamento do mérito para "o mais rápido possível".

Segundo o pesquisador Guilherme France, especialista em combate à corrupção da FGV-RJ com trânsito no grupo de trabalho da OCDE contra suborno em transações comerciais internacionais, "embora o funcionamento do Coaf não esteja previsto nas convenções da OCDE, a existência de mecanismos de detecção e investigação de transações suspeitas, como os afetados pela decisão de Toffoli, é essencial para a organização".

"O combate a suborno internacional é difícil e acontece quando transferências suspeitas são identificadas por organizações como o Coaf. Portanto, restrições às suas atividades podem sim ser questionadas no processo de adesão do Brasil à OCDE", diz France.

Monocrática, a decisão de Dias Toffoli atendeu a um pedido do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), mas se estende a processos semelhantes. Flávio passou a ser investigado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro depois que relatórios do Coaf apontaram uma movimentação financeira atípica de R$ 1,2 milhão na conta de seu ex-assessor Fabrício Queiroz.

Principal negociador do governo brasileiro junto à OCDE, Conzendey também revelou que a aceitação da candidatura brasileira não tem data prevista porque os países da União Europeia na organização condicionaram seu aval à aprovação da Bulgária, ainda que meses depois da brasileira. Como os Estados Unidos, principais patrocinadores do pleito brasileiro, não concordaram com a barganha, as negociações estão paradas.

O embaixador sugeriu que as partes concordam sobre a aceitação de Romênia e Argentina, país apoiado pelos EUA há mais tempo. Além de Romênia e Bulgária, a Croácia está entre as preferências europeias. A entrada de novos membros só acontece por consenso e, por isso, as negociações podem se arrastar por anos.

Mesmo assim, o governo corre para se ajustar aos 253 instrumentos de governança exigidos pela OCDE. Para encurtar o tempo de adequação, que varia de três a seis anos, o governo já aderiu a 77 instrumentos da OCDE, mais que o dobro das chamadas "acquis", (conformidades) verificadas em 2017, quando o Brasil apresentou sua pré-candidatura ao grupo.